A catástrofe do litoral norte paulista

João Salvador

 

É pau, é pedra, é um triste caminho. Chovia há dias sem parar litoral sul, quando a lama começou a descer, arrancando árvores, casas, pessoas, animais e fatalidades, 48 mortes. É fenômeno que acontece quando a água das chuvas em solo raso, sobre uma rocha pouco intemperizada, se satura e não tem mais como infiltrar. Com as chuvas fortes e contínuas, em ambiente de descontrole urbano, sob às leis da gravidade, a água desce a ladeira, com uma estrondosa velocidade.

Nesse caso, a decretação do estado de calamidade em si não é motivo para alegar isenção de responsabilidades. O estado de calamidade demonstra que as chuvas foram acima da média. Choveu 682mm em São Sebastião, o equivalente a 682 litros de água em um metro quadrado – muita água. Na verdade, é o município que deve dar o alvará, o aval para se fazer uma obra, verificar se tudo está em conformidade com os padrões regulares da urbanização, se o local está seguro para habitar. Ademais, cabe ao Ministerio Público fiscalizar. As casas não podem servir de muro de arrimo para uma encosta.

As zonas de convergência do atlântico sul trazem, para a região sudeste, chuvas intensas, com altos índices pluviométricos, o que provocam os deslizamentos, soterramentos, rastros de lama e mortes. Muita chuva e pouca ação dos gestores na resolução dos problemas crônicos das enchentes, que insistem em associar os trágicos acontecimentos aos fenômenos naturais incontroláveis e impre- visíveis. Na verdade, são ocorrências constantes, repetitivas. São previsíveis e basta um sinal de alerta para a evasão dos moradores. A natureza decreta, mas as consequências podem ser evitadas com antecedência.

As grandes metrópoles incharam, o ambiente urbano se desordena e os mais carentes foram empurrados para a periferia e encostas. Concentraram-se em locais de risco, em submoradias, sem direito a optarem por um local mais seguro. Grande parte dessas ocupações é irregular e, às vezes, atrelada às grandes promessas de especuladores imobiliários. Os desalojados e desabrigados não têm outra opção, a não ser retornarem para suas residências ou reconstruírem suas casas e barracos.

Os deslizamentos acontecem pela pre-disposição, relacionada com o desmatamento e o uso inadequado do solo. Sem um planejamento sério, sempre haverá o repeteco. O poder público, através das prefeituras, tem que exercer seu papel. Cada órgão precisa ser assessorado por técnicos competentes ou através de parcerias com as universidades, para traçar um plano de ação. Precisam criar mapas geotécnicos e hidrológicos sobre o uso da ocupação dos solos, e as situações de risco. Por fim, impor um verdadeiro mecanismo de fiscalização e coibir as atividades predatórias do meio físico, bem como, as formas de ocupações irregulares, até que seja possível promover uma reforma urbana mais humana e justa.

É preciso fazer uma campanha educativa nas escolas e unir as próprias comunidades, para que todos dividam as responsabilidades pelo ambiente em que vivem.

Ninguém é contra o desenvolvimento, mas o homem não pode continuar na sua cega marcha inexorável e acelerada ao destruir as bases naturais de sua própria existência, da sustentabilidade do ambiente urbano. E, diante das tragédias, não é o momento para se fazer exploração política, de culpar os adversários. É hora de ajuda.

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João Salvador, biólogo e articulista

 

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