Porque amanhã é sábado – Crônica-convite

Alexandre Bragion

 

Desconfio que haja nos leitores inveterados certa falha trágica (aristotélica) que os impede de serem capazes de admitir publicamente a não-leitura de um ou outro livro. O psicanalista e professor Pierre Bayard descobriu isso muito antes de mim e publicou em 2007 seu genial “Como Falar dos Livros que não lemos” – lançado no Brasil pela Editora Objetiva – e que, como o próprio título antecipa, é um manual capaz de provar (e ensinar) que se é possível participar de conversas acaloradas e (quiçá) proveitosas acerca desse ou daquele livro ainda (ou talvez para sempre) não lido. (Aliás, penso que a tese de Bayard está corretíssima – pois eu mesmo até agora não li o livro dele e sou há tempos um fiel defensor de suas ideias).

Para além do livro de Bayard, confesso também que não li alguns (vários) clássicos da literatura mundial – aos quais amo sem os ter lido. (E, se não os li, explico, não foi por falta de vontade, mas por pura necessidade de ler outros, de outra lista). Por exemplo, declaro que infelizmente não li (ainda) o imenso (em vários sentidos) “Ulisses” – de James Joice (e desconheço quem, de verdade, o tenha lido). Nessa praia sem Velho do Restelo de não-leituras, “Os Lusíadas”, de Camões, é outro clássico que todo mundo diz que conhece, mas pouca gente leu (esse eu li e, modéstia à parte, sei de cor suas duas primeiras estrofes – que adoro recitar para impressionar as pessoas, enquanto disfarço que, obviamente, não decorei as outras mil e cem estrofes restantes).

Woody Allen brincou, certa vez, dizendo que fez leitura dinâmica dos dois volumes (de oitocentas páginas cada) de “Guerra e Paz,” de Tolstoi (ou Tolstoy, para quem preferir), e deu conta deles em quinze minutos. (Depois, ao ser convidado a fazer uma síntese dessa leitura respondeu: “os livros falam sobre a Rússia”). Por aqui, quando eu lecionava para uma turma de Pedagogia numa faculdade local, tivemos a ideia de fazer uma pesquisa que pudesse mapear junto a um grupo de professores e professoras dos anos iniciais quem ali, de fato, já havia lido qualquer livro de Monteiro Lobato na vida. Em campo, a pesquisa se valia de um vasto questionário no qual duas perguntas básicas surgiam camufladas – a primeira (óbvia): “você já leu Monteiro Lobato?” A segunda (mediante o sim da primeira): “qual livro de Lobato Você leu?”. Resumo da ópera, todo mundo afirmou ter lido o “O Sitio do Pica Pau Amarelo” – livro esse que Lobato nunca escreveu (no máximo, deveriam ter citado “O Pica Pau Amarelo”, esse sim escrito por Lobato em 1939).

Clássico inglês do século XIX, “O Morro dos Ventos Uivantes” era um desses romances obrigatórios aos quais o meu interesse (e a minha necessidade) por outro tipo de leitura me impediram de ler. Até que, no começo deste ano, surgiu o convite do pessoal do Cena16 para que elaborássemos uma atividade aberta ao público e na qual o pessoal do Cena16 e eu comentássemos um pouco sobre o livro e, na sequência, reproduzíssemos o filme, de 1939, dirigido por William Willer e que é a adaptação do romance para o cinema. Pensei: e agora? Não li o livro (confesso ou não?).

Não confessei nada há época (e caí na minha própria falha trágica), mas topei a empreitada. Assim, janeiro – dentre outras leituras e maluquices – foi tempo de ler e estudar o romance de Emily Brontë – de capa a capa e sem fazer a leitura dinâmica de Woody Allen. Agora, e é por isso que esta crônica pós-carnavalesca sem pretensão de ser arte se chama “Crônica-convite”, te convido para estar na próxima terça, dia 28, a partir das 19h, no SESC Piracicaba, com o pessoal do Cine 16 e comigo, para falarmos sobre livro “O Morro dos Ventos Uivantes” e assistirmos juntos ao filme (com bate papo depois).

Momento especial, quem ainda não leu o romance poder botar em prática a tese de Bayard – e falar sobre o que não leu. Também, trata-se de uma oportunidade simpática para se ler ou se reler o livro – e riscar, posteriormente, o romance da lista dos “preciso ler”. E se nada disso ainda instigar a vontade do leitor, a atividade do dia 28 é imperdível para se conhecer e se curtir um filme espetacular, estrelado por Laurence Olivier. Topas?  Uivemos juntos sobre os morros da leitura e da não-leitura. No mais, esperamos vocês nessa terça!

 

Alê Bragion, doutor em Teoria Literária pela Unicamp e cronista deste matutino desde 2017.

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