O fascínio venezuelano

Almir Pazzianotto Pinto

 

A psicologia deve ter recursos para explicar a incontida admiração do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por países como Venezuela, Cuba, Nicaragua, e outras ditaduras latino-americanas. O fascínio assume tal proporção que os adota como modelos de governo.

Quem acompanhou a trajetória política de Lula, iniciada em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, deve ter constatado a visão míope que nutre do processo econômico, da ideologia liberal, do comércio internacional, do regime de livre iniciativa, tudo empacotado e reduzido ao assistencialismo e à questão sindical.

Nas décadas de 1970 e de 1980, a indústria automotiva, aqui instalada durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek (1955-1960), já havia ultrapassado os demais segmentos da economia e era maior da América Latina. Tornara-se a principal geradora de riquezas, pagadora de impostos, criadora de empregos e escola para a formação profissional. Preenchia a carência de cursos técnicos com linhas de montagens, onde semialfabetizados trabalhadores, egressos da zona rural, se qualificavam como mão de obra especializada, transformados em mecânicos, pintores, soldadores, torneiros, fresadores, desenhistas industriais, com carteira profissional anotada. O ABC satisfazia as necessidades de mercado interno e dava os primeiros passos para exportar. Os veículos que produzia eram vendidos na Argentina, Uruguai, Paraguai e, em menor quantidade, na China, Iraque, nos Estados Unidos.

A indústria implantada no ABC gerou novo tipo de operário e deu à luz sindicalismo atuante, com pretensões de independência. Recusava o peleguismo, embora mantivesse boas relações com o Partido Comunista Brasileiro de perfil stalinista. O sindicalismo patronal, domesticado segundo o modelo corporativo-fascista da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não era afeito à negociação. Atuava controlado pelo Ministério do Trabalho. Para solucionar conflitos coletivos, recorria à Justiça do Trabalho, fonte de decisões de conteúdo normativo, destinadas a preencher lacunas da CLT.

Para se distinguir do peleguismo, a nova geração de dirigentes, nascida no interior da indústria automotiva, adotou o grevismo como única forma de luta. As greves de 1978, 1979 e 1980, iniciadas no ABCD, demarcaram novo e belicoso terreno. Deram início à período caracterizado pela banalização da greve, sob o mantra “trabalhador unido, jamais será vencido”. O dirigente que não liderasse paralisação coletiva sentia-se diminuído, e era apontado como pelego. Os reflexos no segmento industrial automobilístico logo se fizeram sentir. O crescimento se desacelera, exatamente quando o Japão – destruído na 2ª Guerra Mundial (1939-1945) – e a emergente Coréia do Sul, passam a conquistar prestígio no plano internacional. A produção brasileira iniciada em 1957, após alcançar volume razoável que lhe permitia exportar, começou a perder velocidade. A surpreendente China, que até 1985 rezava pelo Livro Vermelho de Mao-Tse-Tung, em três décadas evoluiu à posição de potência exportadora de industrializados.

Vários fatores colaboram para a estagnação industrial generalizada: o irracional sistema tributário desenhado pela Constituição de 1988; barreiras alfandegárias erguidas para proteger a ineficiência tupiniquim; os elevados custos demandados pela importação da tecnologia da informação; a  baixa produtividade do operário; a extrema litigiosidade; a morosidade e imprevisibilidade das decisões dos tribunais; a confusão gerada por incessantes reformas constitucionais; a corrupção; a ineficiente e onerosa burocracia estatal.

Incapaz de entender os caminhos do desenvolvimento fundado no trabalho, Lula fez a opção pelo assistencialismo. Não poderia ter sido diferente. De família numerosa e pobre, conheceu os rigores da fome e da falta de escola. Eurídice Ferreira de Melo, conhecida como Dona Lindu, abandonada pelo marido, operou milagres na pequena Caetés, para conseguir sustentar oito filhos menores. O único curso regular que Lula frequentou, além do primário, foi o do Senai, onde se formou auxiliar de torneiro mecânico, profissão que lhe permitiu encontrar emprego.

Contaminado pelo maniqueísmo, a estrutura sindical preservada por Lula está decadente. O fenômeno, constatado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), é universal.  A massa proletária do chão de fábrica abre lugar ao profissional especializado e bem remunerado, exigido pela informatização.

A análise das desigualdades nos faz perguntar os motivos de alguns povos serem ricos, como Japão, Canadá, Coréia do Sul, Suíça, e outros pobres. É a pergunta que sempre se faz. O Brasil não é rico, mas subdesenvolvido, atrasado e pobre. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, há necessidade de planejamento, constância, força de vontade, trabalho, virtudes que Brasília, a cabeça da República, aparentemente desconhece.

Em seu terceiro mandato, Lula deve estar consciente das responsabilidades que carrega. O povo sofrido e esquecido espera pelo melhor, e terá todo o direito de cobrar.

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Almir Pazzianotto Pinto,  advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O Estado, 20/2/2023, pág. A4.

 

 

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