Almir Pazzianotto Pinto
A carreira política de Luís Inácio Lula da Silva foi construída sobre greves. A primeira em maio de 1978, vitoriosa graças ao acordo que se sobrepôs à decisão pela ilegalidade proferida pelo TRT de São Paulo. Em seguida vieram as greves de 1979 e 1980, ambas derrotadas por razões que conheço, mas me abstenho de relatar.
Sob a presidência de Lula, o grevismo foi adotado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo como resposta ao peleguismo presente no velho sindicalismo brasileiro. Em especial no Estado de São Paulo, a classe operária colhia bons resultados da implantação de moderno parque industrial no ABC, e em cidades como Piracicaba, Jundiaí, Campinas, Limeira, Americana e São Carlos.
A fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) fez o grevismo ganhar ímpeto durante a presidência do general Ernesto Geisel, se avolumar no governo João Figueiredo e empregar a violência na Nova República, após a política de não intervenção adotada em março de 1985 pelo Ministério do Trabalho.
Em fevereiro de 2006, o presidente José Sarney, entrevistado pelos repórteres Claudia Safatle, Raymundo Costa e Maria Cristina Fernandes do Jornal Econômico, à pergunta sobre greves, respondeu: “Enfrentei 12.600 greves. O Getúlio, que todo mundo diz que fez uma revolução trabalhista, quis aprisionar os sindicatos pelo Estado. Quando eu assumi, o PT quis que os sindicatos aprisionassem o Estado, com as greves e com tudo. Tive que ser extremamente tolerante. Eu tinha que ser fraco para ser menos fraco. Fiz o que era preciso, dentro de um plano estratégico que estava na minha cabeça e que eu cumpri” (Vinte Anos de Plano Cruzado. José Sarney, Ed. Senado Federal, 2006, pág. 102).
O grevismo selvagem, como instrumento de conquista do poder, foi anunciado por Jair Meneguelli alguns dias antes da data prevista para a posse do presidente Tancredo Neves. Para cumprir o prometido, o PT e a CUT violaram todos os limites éticos e legais. Como Ministro do Trabalho entre 15/3/1985 e 27/9/1988, fui testemunha e vítima da insanidade que dominou a oposição petista durante a Nova República. PT e CUT contribuíram para a inviabilização dos planos Cruzado I, Cruzadinho, Cruzado II, Bresser e Verão. Sabotaram duas tentativas de celebração do Pacto Social. Boicotaram o desenvolvimento da indústria nacional no momento em que a China adotou modelo político que a transformou na segunda potência econômica mundial.
Conservo volumoso arquivo sobre as greves entre 1978 e 2002. Destaco a paralisação ilegal contra a Petrobrás, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. A edição de 25/5/1995, da revista Veja, trazia na capa fotografia do presidente da CUT e a legenda “Querem parar o país”.
Durante a campanha, uma das poucas verdades ditas por Lula consistiu na promessa de dar marcha à ré na reforma trabalhista. Não entrou em detalhes. Estou convencido, porém, de que tentará o aprisionamento do Estado pela CUT e pelo PT. Com os poderes de que dispõem e a ausência de oposição, almeja dominar a Câmara dos Deputados, o Senado, e constituir maioria no Supremo Tribunal Federal, para concretizar o projeto do partido da bandeira vermelha.
Greves, como aquelas que boicotaram o governo Sarney, talvez não voltem a acontecer. Em quase todo o mundo se registra acelerado processo de desindustrialização, com aumento da taxa de desemprego. A classe operária, surgida com a Revolução Industrial, perde espaço para a informatização, a automação, a robotização, a inteligência artificial, para aplicativos. A indústria e a agroindústria dispensam mão de obra, substituída por máquinas de última geração, comandadas por operadores especializados e bem remunerados. O cortador de cana de açúcar, simbolizado pelo “bóia fria”, desapareceu, para deixar longo rastro de desempregados. Foi substituído pelas colhedoras. Com elas se reduziram conflitos espalhados pela CUT e pelo PT no interior de São Paulo, como aconteceu em Guariba, Sertãozinho, Bebedouro, Monte Alto, Araras e Leme.
Ensinou o Pe. Antônio Vieira que “quando iam saber do Batista, quem era, perguntam-lhe: vós quem sois e vós quem dizeis que sois; porque os homens quando testemunham de si mesmos, uma coisa é o que são, e outra coisa é o que dizem. (Sermão da Terceira Dominga do Advento, Sermões, vol. 1, pág. 188). É o caso de se perguntar a Lula: afinal, quem sois? O dos discursos de campanha, ou o das greves selvagens?
Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.