Porque amanhã é sábado –   Oratório – poemacrônico sem verbos

Alexandre Bragion

 

 

O verbo em carne dura – em carnadura nação. Materialidade doente, insubstantiva, já sem força divina de ação. O verbo, todo hoje, em imprecisão criativa muda – sintagma triste de triste oração.

Que tempos estes! Que tempos!

De verbos-balas-de-sangue, nas favelas, atrás de corpos de vidro. De verbos-anônimos-mortos, nas vielas, em seu único fatídico destino. De verbos cretinos-poderosos, nos palácios, de terno e faixa de assassino.

Que tempos estes! Que tempos!

De agramaticais organizações mentais. De impossíveis conjunções orais. De indeclináveis conjugações amorosas. De indescritíveis estados da alma carente de amor.

Verbo humano-divino-humano com os lobos da estepe. Onde a sua fala humilde entre as gentes em meio ao enxofre das Igrejas? Verbo bíblico sem carne nos altares do dinheiro. Onde? Um Cristo irmão nas armas? Onde? O Verbo Primordial – o Cordeiro Santo de Deus – ceifador de pobres, militar, soldado? Onde? (Perdão, Senhor. Perdão).

Ai, que tempos estes! Que tempos sem tempo para verbos que não os da opressão. Que tempos estes, sem a concretude verbal da liberdade fraterna. Que tempos estes, sem a pele-palavra fresca do desejo líquido no meio da rua.

Que tempos estes.

De tiros

De estalos

De canhões

De estampidos…    (Alvo Negro! Alvo Podre! Alvo Pobre! – Fogo!)

De coturnos

De Estados

De nãos

A burrice e a brutalidade estatais nos jornais diários. Os olhos e os ouvidos do mundo – e seus queixos perplexos no chão. A percepção de tudo como um grande e flácido balão verde-amarelo em chamas, já perto do solo.  A ausência repentina de colo – e esta mudez não natural, esta incapacidade vocabular, este o indizível, esta necessidade de reação, de reencarnação, de resistência, de uma sobrexistência urgente e tão severamente noturna que lunar.  Que tempos estes. Que tempos!

Ausente no aparente, o verbo Criador atrás das nuvens de amianto. Ausente na edificação falsa do etéreo dos fiéis de rebanhos, o verbo Luz-dos-homens nas trevas. Ausente na amplidão tátil dos seres, o verbo dos Verbos, carne e sangue em comunhão.

João. Irmão. Mestre Primeiro. Onde seu evangelho imenso de amor, irmandade e esperança?

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Alexandre Bragion, doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp, cronista desta Tribuna desde 2017

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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