A corrupção da sala de aula brasileira

 

Érica Gorga

 

 

É sabido que a educação brasileira tem piorado a cada ano, conforme demonstrado por estudos recentes. Pesquisa do IMD World Competitiveness Center (Centro de Competitividade Mundial do Instituto Internacional para Administração e Desenvolvimento da Suíça), divulgada em 2021, avaliou a educação brasileira como a pior de todas as 64 nações analisadas.

Muitos atribuem o problema da educação brasileira somente à falta de recursos. Ocorre que o Brasil não investe pouco em educação: um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou que o país investe 5,6% do PIB na área de educação, o que significa 4,4% acima da média do investimento realizado por nações da OCDE. É claro que não se pode descartar que boa parte dos recursos no Brasil seja mal investida e administrada por municípios e estados, havendo até casos sabidos de corrupção. Porém, a realidade é que não é a quantidade de recursos investida a responsável pela piora da educação brasileira por anos consecutivos a fio.

O irônico é que a imprensa e até os supostos analistas se esquecem de observar e questionar as regras que disciplinam a sala de aula de brasileira, absolutamente equivocadas para que o país alcance melhores índices de educação e aprendizado. O conjunto de regras que se implementou no país, iniciando-se no estado de São Paulo, é o maior responsável pelo desastre que ocorre com crianças e adolescentes brasileiros, que saem da escola, em grande parte, como verdadeiros analfabetos funcionais, sem saber ler, interpretar textos, escrever, e sem noções elementares de matemática, indispensáveis para sua melhor colocação no mercado de trabalho. Não é à toa que hoje mais de 30% da juventude brasileira é classificada como nem-nem, nem estuda nem trabalha. Nessa toada, qual será o futuro do país?

O sistema paulista de ensino foi completamente adulterado com a implementação da regra da progressão continuada de alunos, que na prática se transformou em sistema de aprovação automática em massa. Ocorre que tal sistema gera incentivos absolutamente nefastos para todos os alunos e, inclusive, para os bons professores.

Se os alunos já sabem que vão passar de ano, simplesmente deixam de se esforçar para aprender. Assim, não estudam mais. Para que um aluno irá se esforçar se sabe que será aprovado? Principalmente nas classes menos favorecidas, as crianças argumentam com os pais que irão passar de ano do mesmo jeito e passam o tempo que seria devotado ao estudo assistindo TV, jogando joguinhos no celular, etc.

Como resultado absolutamente lógico da regra absurda que foi implementada entre nós, o nível de comprometimento e estudo cai para toda a turma, mesmo para aqueles que seriam bons alunos, que passam a ser discriminados e sofrem mais bullying por estarem destoando do resto da turma que pensa somente em se divertir.

Já sabendo que vai passar, o aluno é induzido a desrespeitar o professor. Se vai passar de ano de qualquer jeito, o que importa o que o professor está ensinando? Sem ter maturidade para entender as consequências de seus atos, os alunos ficam cada vez mais indisciplinados e, recorrentemente, desrespeitam o trabalho dos professores em sala de aula.

Portanto, o sistema de aprovação automática desvaloriza o trabalho de todos os professores e desmotiva especialmente aqueles que seriam os melhores docentes, já que, no dia a dia, o professor é levado a se esforçar menos pois não é respeitado nem valorizado por boa parte dos alunos. Aliás, alguns pais, sabendo que seus filhos vão ser aprovados, sentem-se no direito de desrespeitar as escolhas pedagógicas dos professores e desautorizá-los, quando estes exigem mais esforço de crianças e adolescentes.

Portanto, é necessário acabar com o sistema de progressão continuada ou aprovação automática dos alunos e reimplementar sistema que assegure o juízo de valoração dos professores na tomada de decisão sobre os alunos que serão reprovados.

 

 

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Érica Gorga, advogada, doutora em Direito Comercial pela USP

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