Os três papas

Camilo Irineu Quartarollo

Francisco de Assis na Itália do século XIII é um jovem bem nascido, filho de Bernardone. Se quisesse, poderia ter uma exitosa carreira eclesiástica e ainda, às escondidas, manter um caso amoroso com Clara de Assis ou outrem. Por fim, naquele mundo feudal era comum filhos de nobres se tornarem cardeais e no Conclave negociarem votos chegando a papas.

A lepra, a fome e a miséria grassavam em toda a Europa medieval. Os camponeses expulsos dos feudos mendigavam errantes, sem pátria. Houve cruzadas não oficiais como as dos mendigos e das crianças devido à profunda crise econômica de então. Enchiam-se navios e mandavam multidões de pobres e jovens brigarem com os árabes – o pretexto era o de “proteger o santo sepulcro¨. Nada a ver com lugares santos, os cristãos profanaram mesquitas e a cultura árabe em busca de despojos. As invasões e colonialismos atuais guardam recorrências com essas cruzadas de falsas justificativas.

Francisco também fora nas Cruzadas e se desilude, traído pelas falsas concepções de inimigos. Doente e febril, ao pisar a Ermida São Damião algo lhe tocou profundamente. Seus olhos se abrem à multidão de leprosos, ressente–se da dor e dos gemidos que não chegam aos palácios papais nem aos píncaros das abadias.

Francisco passa a mendigar para seu sustento e de outros ou fazer pequenos serviços. Funda uma ordem de mendicantes e morre aos quarenta e cinco anos com as sequelas de sua vida penitente. Quis reformar a Igreja pela experiência radical. Em seu século conturbado Francisco canta os louvores pelas criaturas, ao Altíssimo a quem chama meu Senhor. Francisco ainda hoje é expressão de convicção animada de um evangelho real, consciência cristã e também protesto à religião como produto de mercado. Parece que se abrira um movimento de renovo, um olhar à realidade, mas a Igreja confina o movimento franciscano como Ordem religiosa.

Recentemente Francisco nomeou mais vinte cardeais. Bispos não obedecem a um arcebispo ou a cardeais, respondem diretamente ao papa. Parece que o pontífice não quer simplesmente homenageá-los, mas chamar a serviço e formação de maioria para uma reforma emergente. Cogita-se a renúncia de Francisco por um João XXIV, com a convocação de reforma das estruturas vaticanas e da Igreja, como foi com João XXIII.

Apesar de reclamações discretas e silêncios de altar a messe prossegue através de leigos, homens e mulheres que mantêm suas paróquias com quermesses, auxílios aos pobres, visita a doentes e celebrações, como verdadeiros ministros, por lideranças fluidas e anônimas e, às vezes, o padre passa por lá.

Sob o nome do santo da Úmbria, o papa atual e talvez renunciante, assumiu-se como Francisco, mas a Igreja institucional romana é um lugar estranho, de poderes ancestrais de césares. Um Francisco só não faz verão e ele sabe disso. Talvez em breve tenham os três papas, dois renunciantes e um governante… e reformas!

 

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor de crônicas, historietas, artigos e livros 

 

 

 

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