77º aniversário da vitória na 2ª Guerra Mundial

Luiz Carlos Ramiro Junior

 

Estamos aqui reunidos, na ocasião do 77º aniversário da vitória na 2ª Guerra Mundial pelas Forças Aliadas, para homenagear a todos aqueles que entregaram seu corpo ao sacrifício na luta contra a barbárie e em defesa dos valores sociais e espirituais, tradicionalmente vinculados à nossa civilização. Tal celebração, e isso é motivo de grande júbilo para nós, como pela honra de homenagear, dentre outras pessoas distintas, a capitã Virgínia Maria de Niemeyer Portocarrero, última das 67 enfermeiras da Força Expedicionária Brasileira que atuaram junto ao 1º Grupo de Aviação de Caça. Nossa homenagem também se estende a todas aquelas pessoas da sociedade civil que comungam com os mesmos valores defendidos naquele tempo, pelos nossos heróis, por amor ao real, ao verdadeiro, ao reto e ao justo.

Na ocasião daquele conflito, brasileiros, irmanados a contingentes de várias nações formaram um grande Exército Aliado, trilharam os mesmos caminhos percorridos pelas audaciosas Legiões Romanas e pelejaram, sob o céu da Europa, contra as experimentadas forças nazi-fascistas. E foi nas batalhas de Monte Castelo, La Serra, Castelnuovo e Montese que os nossos expedicionários alcançaram suas principais vitórias e tiveram sua atuação destacada por generais aliados. Depois vieram outras vitórias e muitos outros baluartes inimigos e o bravo pracinha mostrou ao mundo inteiro o valor de nossa gente.

Sim, foi o nosso corajoso ex-combatente aquele que, na maioria das vezes – com simplicidade e até humildade, venceu o seu próprio medo e saiu audaciosamente em busca de informações, de prisioneiros ou de destruição de posições inimigas. Sim, foi a destemida juventude brasileira que, atendendo ao chamado da Pátria, envergou, com orgulho o uniforme do Exército, e honrou-o, lutando pela liberdade, para que pudéssemos continuar vivendo num clima de paz. Assim chegamos à Vitória Final, a 8 de maio de 1945, ombreando-se aos grandes soldados aliados, porque havia contribuído com sua importante parcela para a derrocada do nazismo-fascismo.

Naquela ocasião, além de heroísmo e espírito de sacrifício, nossos soldados demonstraram grande capacidade de resiliência, característica típica de nosso povo. O bom humor, um dos recursos mais valiosos e gratificantes diante da adversidade, marcou presença até na zona de conflito. Como demonstra a documentação histórica, um dos jornais combativos da Força Expedicionária Brasileira, cujo nome é “E a cobra fumou…”, estava repleto de humorismo, notas pitorescas e versos patrióticos, revelando o alto moral da soldadesca e o seu impecável e sadio humorismo, daquele humor indestrutível próprio do brasileiro, que ao contrário do mergulho na angústia, encontram no humor uma maneira de suportar realidades muitas vezes duras e insuportáveis.

Esse bom humor do brasileiro era até mesmo contagiante. A famosa expressão “A cobra vai fumar”, que se tornou lema da Força Expedicionária Brasileira (FEB), durante a guerra, levada para a Itália pelos bravos expedicionários brasileiros, acabou transformando-se no “slogan” guerreiro dos soldados das Nações Unidas. Manifestação sugestiva do espírito jovial do nosso povo, a expressão acabou sendo incorporada ao patrimônio de todos os soldados. O próprio general Clarck, comandante do vitorioso 5º Exército, adotou-o como símbolo de luta: “The snakeis smoking…”

Em todas as línguas a mesma significação. A “cobra fumando” tornou-se expressão internacional. E tão eloquente que, segundo os telegramas procedentes do “front” italiano, logo os nossos patrícios receberam um novo distintivo, uma insígnia verde-amarela-azul-branca, com uma serpente fumando um cachimbo.

Naquele contexto dramático, também não podemos ignorar demonstrações inequívocas da fé inabalável que o povo brasileiro tem em Deus. A título de exemplo, vale rememorar o trecho de uma carta de um membro da FEB, encontrada na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. O serviço regular de correspondência, mantido pela Força Expedicionária Brasileira, tinha posto em contínua comunicação os soldados do front. As cartas aqui chegadas eram numerosas.

Jurandyr Moreira da Cruz, jovem de 22 anos, terminando o curso de sargento, se ofereceu como voluntário da FEB e foi servir na Itália, sob o número 301. Numa carta, enviada à família, transmitia notícias do front, dizendo: “Não se preocupem com minha pessoa. Estou muito bem. Continuem pedindo a Deus com fé, que ele me protege. […] Todos os dias, às 6 horas, quando nos é permitido, eu e outros soldados rezamos o terço a Nossa Senhora Aparecida. Sua proteção tem sido bastante notada por todos. […] Tenho bastante saudade de casa, mas conforta-me a certeza de estar defendendo minha terra.” (Diário de Pernambuco, 18 de fevereiro de 1945)

Disposição para o heroísmo, resiliência, bom humor e fé em Deus. Não são essas as características mais constantes de nosso povo? Muito se tem falado a respeito da crise de nossa civilização. São poucos, porém, os que descem às origens. A origem das convulsões modernas, espirituais e telúricas, reside na mentalidade revolucionária, que se pretende total e, que de tanto forçar o nascimento de um mundo supostamente melhor, acaba fazendo dele um gigantesco aborto; ou, fazendo do trajeto milenar da espécie humana sobre a Terra, uma bestialidade: a história sem sentido coroada por um final sangrento.

Por fim, cabe-nos dizer, que entre as duas instituições aqui presentes, há uma convergência significativa. Ambas são “lugares de memória”. A Biblioteca Nacional, por possuir uma dimensão central na configuração da memória nacional e do patrimônio intelectual, uma vez que é responsável pelo registro e a guarda da produção bibliográfica brasileira. E, a Associação dos Ex-combatentes do Brasil, pelo fato de fomentar e salvaguardar a memória da FEB e continuamente honrar aqueles que serviram o Brasil nas guerras.

O historiador Pierre Nora afirma que os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos… porque essas operações não são naturais.  Daí a importância da associação preservar não só os direitos dos ex-combatentes, mas também suas memórias e histórias, através de eventos como esses que realizamos no dia de hoje.

A todos aqueles lutaram, trazendo em seus corpos honrosas cicatrizes ou em seus espíritos as marcas indeléveis da luta travada contra a barbárie, o reconhecimento e a gratidão do Brasil e da Fundação Biblioteca Nacional.

 

Luiz Carlos Ramiro Junior, presidente da Fundação Biblioteca Nacional (discurso pronunciado no Rio de Janeiro, no Auditório Machado de Assis, no dia 11 de agosto de 2022)

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