Fome, ai que vergonha!

 

Camilo Irineu Quartarollo

 

Brasileiro ou piracicabano pedindo comida à porta nos causa pena, indignação e vergonha. As condolências surgem inclusive na classe alta ressentida de que seus filhos vejam humanos sujos e necessitados nos passeios domingueiros. Ora, papai faz caridade, mamãe faz chás beneficentes. Restaurantes reservam comida. Entidades promovem campanhas, mas nosso povo nunca se emancipa. Meu Deus, nunca!

O menino faminto liga para o posto de polícia, os desalentados vão pedir no SUS, para se safarem desse crime hediondo da fome.

Passar fome no Brasil é mesmo uma vergonha, e recorrente, reincidente! Sim, crime de lesa-humanidade, pois alimentação é um direito humano. Sem comer ninguém vive, é sentença de morte! Não é favor, filantropia, caridade, é direito declarado no artigo 25 dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948, e reconhecido nas democracias do mundo. Não é resto da mesa dos ricos. Um prefeito paulista, em 2017, criou uma tal ração humana de produtos vencidos, grânulos, “comida de astronauta”, e ainda disse que pobre tem de dar graças a Deus se a tiver. Isso num país celeiro do mundo!

Já em 1930 a fome e má nutrição era denunciada no Brasil pelo médico Josué de Castro. Em 1940 foram criados a Comissão Nacional de Alimentação e o Serviço de Alimentação da Previdência Social, o médico foi mais longe, inclusive com Associação Mundial de Luta contra a Fome.

Infelizmente, com a ascensão do Neoliberalismo na década de 1980 a política de Bem Estar social foi às favas. Então esses e outros direitos humanos foram banalizados na agenda política.

Na década de 1990, o governo Collor promoveu a extinção de programas e instituições voltadas à Alimentação e à Nutrição, tudo em nome do chamado “Estado Moderno”. Aliás, modernidade é coisa antiga, mais que as carroças. Avançando para trás!

Entretanto, em 1993, Itamar Franco, o do topete branco, lançou o Plano de Combate à Fome e à Miséria, numa estratégia ampla de governo. Porém, em 1996, Fernando Henrique Cardoso extinguiu o Consea e o Inan, órgãos importantes, o que interrompeu o processo de construção institucional da Segurança Alimentar no país. A fome voltou e cresceu a olhos arregalados.

Em 2003, o Consea foi recriado e se iniciaram novos avanços e aperfeiçoamentos de programas contra a fome estrutural. Programa de destaques foram o Fome Zero e o Bolsa Família, a elite neoliberal chiou. Em 2010, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional foi regulamentada pelo decreto nº 7.272, que instituiu a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome no mundo, conforme relatório da ONU e notório no mundo todo.

Com o golpe parlamentar de Estado de 2016, as políticas do governo federal de proteção social e combate à fome sofreram um desmonte atroz e atávico. Com a posse de Bolsonaro em 2019 extinguiu-se de vez as estruturas de combate à fome e, inclusive, de cidadania.

 

 

Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor de crônicas, historietas, artigos e livros

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