O voto enrustido

Almir Pazzianotto Pinto

 

Em habituais caminhadas pelo bairro, encontro amigos e faço novas amizades. São pessoas do povo, com as quais, como homem interior, nascido e criado em Capivari, não sinto dificuldade para conversar.

Mantenho-me, porém, cauteloso sobre dois assuntos: política e religião. Mesmo com quem tenho alguma familiaridade, sou prudente e evito perguntar. Os tempos estão difíceis. O rancor está no ar. A polarização bolsonarismo versus lulismo se extremou. Ultrapassou os limites da racionalidade. Mera troca de opiniões poderá despertar reações agressivas, pondo em perigo velhas e novas amizades.

Desde a eleição direta, que levou ao Palácio do Planalto Fernando Collor de Mello, a escolha do presidente da República tem se desenvolvido em ambiente de normalidade, com livre direito de opinião, voto pessoal e secreto, utilização de urnas eletrônicas e tranquilo acatamento dos resultados. O calor da campanha não elevava a temperatura ao grau de ebulição dos espíritos. As divergências eram consideradas normais, e raros incidentes não conseguiam alterar o clima de respeito recíproco.

O impeachment de Dilma Roussef em 2017, as ações penais que levaram Lula à condenação e à prisão em Curitiba, a vitória de Jair Bolsonaro em 2018, não conseguiram abalar o Partido dos Trabalhadores. Encerrado o breve período do vice-presidente Michel Temer, as articulações rumo à campanha de 2022 revelaram que o lulismo se recuperava e se movimentava para lançar o ex-presidente na disputa. O habeas corpus deferido pelo ministro Edson Fachin chegou na hora, para permitir a Lula se candidatar.

As pesquisas revelam certa vantagem para a coligação liderada pelo PT. Disto não se segue que a vitória está assegurada. Em contatos com operários, taxistas, vigilantes, diaristas, bancárias, comerciários, ambulantes, observo que pretendem votar para impedir o retorno do ex-líder sindical ao poder. O Mensalão e a Operação Lava Jato, a devastação da Petrobrás, desvios no Banco do Brasil, negócios escusos com a Venezuela, compra de refinarias inúteis, não caíram no esquecimento. Acredito ser possível repetir-se o acontecido em 2018, quando a maioria votou por exclusão, para impedir a vitória de Fernando Haddad.

Jair Bolsonaro é o responsável pela situação em que se encontra. Inútil jogar as responsabilidades sobre a imprensa ou a anêmica oposição. Observe-se o conjunto de ministros que o rodeiam. Nenhum dotado de envergadura política e de popularidade nacional. Ou são generais da reserva, técnicos-burocratas como Paulo Guedes, ou fragilizadas lideranças estaduais em luta pela sobrevivência. Em São Paulo Jair Bolsonaro inventou Tarcísio de Freitas, que transferiu domicílio eleitoral de Brasília para São José dos Campos, para se candidatar.

Leio no jornal “O Estado”, edição de 13/8, o artigo “Exterminador do Futuro”, do biólogo Fernando Reinach. A certa altura, diz o colunista: “Lula é diferente (de Bolsonaro). Ele já exterminou parte do nosso futuro. Sua atuação sobre o futuro já ocorreu. Foi no passado, quando governou o Brasil. O que vivemos hoje é, em parte, o futuro criado pelos governos do PT. A radicalização de hoje e o clima de ódio prosperam devido à política do nós contra eles. Foi no governo Lula que ocorreu o maior caso de compra de deputados, o maior desvio de dinheiro público já registrado na história da humanidade, e o pior caso de conluio entre empresas privadas e o governo” (pág. A25).

O artigo não é pró-Bolsonaro. Para Fernando Reinach, os dois principais candidatos à Presidência têm, com o futuro, relação distante do que a população deseja. Como ele, entendo que não se deve escolher “o menos pior”. Cabe ao eleitor a missão de rejeitar a nociva polarização Lula-Bolsonaro. É necessário identificar, entre os demais candidatos, quem reúne as condições necessárias para recolocar o Brasil no caminho da paz, do desenvolvimento, da geração de empregos, da aceitação de divergências. Aquele, enfim, disposto a empreender esforços em benefício da educação, da saúde, da segurança, da esperança no futuro melhor.

Concordo com Fernando Reinach. Vejo em Simone Tebet a candidata que atende a todos os requisitos. É jovem, honesta, valente e capaz.

______

Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima