Manifesto ao minimalismo amoroso

 A partir de agora, fica decretado o fim das grandes esperas. Desde já, ficam proibidas as imensas expectativas, os intermináveis projetos que jamais são concluídos, as eternas buscas – desenfreadas – por felicidade. Abaixo os grandes empreendimentos neoliberais do sentimento! Abaixo as empreitadas profundas, o complexo sentir, as arrojadas jogadas da alma! Fora construções faraônicas do desejo! Fora descomunais ansiedades do amor estético, patético, imagético de impossíveis idílios! Saudemos o chão, a gramática expositiva do chão – como escreveu Manoel de Barros.

A partir de agora, estão vetadas as alegrias dos comerciais de margarina em manhãs canastronas de falsos sorrisos. Desde já, está absolutamente impedida a vida na Ilha de Caras de nosso querer. Está sob suspeita qualquer ato glamoroso do espírito projetado a partir das imagens das TVs e do cinema. Fora galãs de isopor! Fora princesas de espuma! Buh! Adeus alegrias de Facebook! Abaixo o exagero do que não somos! Abaixo o contrato assinado de nosso existir robotizado, criado para o imenso e falso prazer de agradar a olhos alheios. Exaltemos a sinceridade do erro! Exaltemos a veracidade das nossas incapacidades! Exultemos com as virtudes de nossos defeitos!

A partir de agora ficam proibidas as grandes crônicas que não sejam verdade. A partir de agora ficam vetados os gigantescos propósitos, os exagerados requintes, os inflamados detalhes. Nada de doutores da lei, nada de senhores de engenho de nossas almas. Nada de feitores do espírito. Fora imensas promessas! Fora descabidos rascunhos! Fora títulos de nobreza, nomes de famílias, xícaras de chá com biscoitos de polvilho! Fora com os grandes políticos, com os salvadores da pátria, com os heróis de concreto! Fora com os ídolos esculpidos! Fora com os doloridos ídolos esculpidos para serem um modelo vivo de uma natureza morta! Adeus à virtuosidade que não é natural. Adeus à virtuosidade que não se sabe, também, pequena – e que não se conhece mistério, que não se faz real.

Abracemos o amor no tribunal das pequenas causas, nos desvelados vãos dos desacreditados. Vivamos o sentir do inesperado, do repentino, do desatino desatinado sem aviso – sem juízo, sem defesa. Protejamos o mínimo, o que escapa, o que fenece mais rápido que a prece ao fechar dos olhos antes de dormir. Elevemos a lupa aos olhos do nosso viver, cavoquemos o amor nas coisas, escarafunchemos a terra do existir do como somos – e colhamos de lá o desejo, a paixão que é temporal e temporária e que já nasceu. Chega de tantas sementes! Arranquemos do mato a beleza que vem da essência, que vem do substrato, em substância. Substanciemos, assim, a vida vivida nas micro-esferas, nos micro-poros, minimalizada, infinimesmatizada, nanonizada.

Unamo-nos a Dostoiévski! Unamo-nos a Fiódor Dostoiévski e a suas “Noites Brancas” – breve novela, cheia de neve e gelo, na qual o mestre russo nos ensina que há mais beleza num parágrafo final do que ao longo de cem páginas. Saudemos os breves cafés, bebidos rapidamente ao pé dos balcões. Saudemos os breves contos, os microcontos, os nanocontos lidos com fúria e com urgência. Desde já, ficamos obrigados a experimentar os minutos, a saborearmos os poemas-pílulas, a nos deliciarmos com as nano-óperas pós-modernas. Desde já, adotemos obrigatoriamente a vigência do imediato, do hoje. Diante da vida-Nastienka que experienciamos segundo a segundo, sejamos então obrigados a saber o que nos ensina o narrador russo: “Um minuto inteiro de felicidade! Será pouco, mesmo que tenha de dar para a vida inteira de um homem?”

Elevemos o minuto à condição de uma hora, de um mês, de um ano, de uma vida! Afinal, e como nos ensinou Dostoiévski, pode haver mais vida em cinco minutos do que em uma vida inteira.

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Alê Bragion, cronista de A Tribuna desde 2017

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