A Grande Renúncia

 

Roberto Sachs

 

Os efeitos da pandemia ainda são sentidos em diversos aspectos da vida, incluindo os altos índices de desemprego provocados pelo fim dos negócios. Mas há um fato que tem intrigado analistas: em plena crise econômica, nunca tantas pessoas pediram demissão de seus empregos.

Pesquisa publicada pela revista Você S/A mostrou que o número de pedidos de demissão dobrou em relação ao período anterior à pandemia. No Brasil, a cada três demissões, uma é voluntária. Esse fenômeno tem sido chamado de A Grande Renúncia.

Submeter-se ao chefe que não reconhece seus esforços, ao colega tóxico, ao trânsito caótico, ao pouco tempo para outras atividades e à desvalorização salarial, são questionamentos feitos pelo trabalhador. Afelicidade e as visões sobre trabalho estão sendo modificadas: escolhemos trabalhar para viver ao invés de viver para trabalhar.

O equilíbrio entre vida pessoal e profissional ganhou nova importância e está nas mãos das empresas a tarefa de capacitar os colaboradores às novas necessidades do mercado para frear o Burnout e as demissões recorrentes. Neste cenário, estão em alta soft skills como comunicação e inteligência emocional nos treinamentos corporativos.

A demissão faz parte do processo natural de crescimento da carreira, seja por uma oferta mais vantajosa, para experimentar novos desafios ou outras áreas. Porém, com a evolução digital e as vendas online, muitos arriscam-se a empreender. O Brasil registrou aumento de 6% na abertura de empresas em 2020 e de 8,4% no número de MEIs, dados que talvez escondam a insatisfação com os empregos formais.

Houve um aumento da conscientização de que o trabalho não pode ser a única razão da existência. Ao trocarem, mesmo que temporariamente, a rotina do ambiente presencial na empresa por formatos remotos, como o home office, muitos redescobriram aspectos da vida e das relações que andavam esquecidos, como família, filhos, pausa para o almoço e prática de atividades físicas.

Quando confrontados com a volta iminente aos modelos de trabalho pré-pandemia, que envolvem tempo de deslocamento, excessos de processos, reuniões cansativas, houve quem preferisse não voltar, em nome de mais qualidade de vida.

E não se trata de uma realidade apenas para privilegiados. Entre os campeões de pedidos de demissão em 2021 no Brasil estão atendentes de telemarketing, de lanchonete e auxiliares de logística, em geral jovens com até 30 anos de idade, justamente a faixa que tem recebido os menores salários e sido afetada pelo Burnout.

São os trabalhadores da geração Y, os millenials, a principal força atuante hoje na maioria das empresas.A necessidade de propósito é uma de suas principais características, fortalecida pela ameaça que a pandemia colocou à vida e à saúde, deixando ainda mais evidente que, se não tenho mais nenhum controle sobre o que está por vir, por que me doar a uma rotina que não me faz feliz?

Olhando por esse lado, não fica difícil entender quem abriu mão de salários e responsabilidades maiores por uma vida mais simples e essencialista. A pandemia nos ensinou que o tempo é um bem irrecuperável, logo, é necessário aproveitá-lo com sentido. É importante ressaltar que a demissão é uma escolha que precisa ser bem avaliada e se encaixar na realidade e no orçamento de cada um.

Diante das mudanças, em que nem sempre salário ou cargo são motivações, as empresas têm que tomar consciência e proporcionar ambientes que conciliem melhor a rotina e as demandas por resultados, com momentos de descompressão, favorecendo a saúde mental do trabalhador.

O mundo é outro, as pessoas se transformaram e as empresas precisam se adaptar. A pauta agora é proteger o capital humano, afinal, pessoas são a solução. Mantê-las saudáveis, motivadas e felizes é a melhor receita para enfrentar esse novo momento.

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Roberto Sachs, professor universitário, mestre em conflito de gerações nas empresas

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