Brincadeiras de rua (I)

Mário Neto

Essa brincadeira do título era aquela em que um menino ou menina ficava vendado, de costas para o restante do grupo, e outro participante ficava como guia, junto ao “vendado”, apontando o dedo para os participantes do grupo e perguntando: “É esse?” e aguardava a resposta do(a) “vendado(a), que era objetiva: sim ou não. Quando dissesse “sim”, lhe era perguntado: “Beijo, abraço ou aperto de mão?”. Nessa escolha às cegas, tinha que agraciar o escolhido com um beijo, um abraço ou um aperto de mão, conforme respondeu. Se era a pessoa que você paquerava, um beijo teria sido a melhor escolha e ali nasciam as primeiras paqueras. Nem sempre a gente acertava nas escolhas, mas tinha que arcar com as consequências do “livre arbítrio” e com a zoação. Outra, Pique-esconde, onde um ficava com o rosto tapado e tinha que contar até trinta, enquanto os demais corriam para se esconder para serem achados e quando isso acontecia tinham que correr até o ponto do “pique” e bater a mão primeiro. O perdedor seria o próximo a ficar encarregado de contar até trinta e achar os demais. Além dessas tinha o pega-pega (também chamado de “paz”, que não tinha muito a ver com o tapa que a pessoa levava quando era alcançada pela outra), mãe-da-rua, queimada, rodava pião jogado com a “fiera” (um barbante enrolado no pião), bolinhas de gude (cavava um buraquinho na terra onde tinha que acertar a bolinha, parecido com o golfe; e quem colocava no buraquinho, chamado de “bile”, tinha o direito de tentar acertar a bolinha do outro e, acertando, o dono da bolinha atingida saía da brincadeira e perdia uma bolinha pro seu algoz). Jogava futebol o dia todo, só parava na hora de ir pra escola e fazer a lição de casa (quando “baixava” um Einstein na gente e em 2 minutos fazia tudo, só pra sair correndo brincar). Pra jogar futebol era só procurar um dos muitos campinhos que tinham espalhados nos terrenos desocupados da cidade, coisa rara hoje. Ou apenas colocava quatro chinelos no meio da rua demarcando “as traves” do gol de cada lado e fazia a marcação do campo usando tijolos pra riscar a rua. Era o cenário perfeito pra gente arrancar a tampa do dedão no chão e chegar todo ensanguentado em casa. Brigava na rua. Batia e apanhava, mas não deixava chegar ao conhecimento da mãe, senão você não tinha opção: agora era só apanhar. Da mãe. Assim a gente aprendeu a resolver nossas … “pendências” sem pedir ajuda. Na época da Páscoa, procurava nos campinhos pra escalar aquele tronco de pinheiro bem alto e lambuzado de graxa e óleo e chegar no topo, onde ficava amarrado num quadro de madeira um boneco feito de panos e recheado de brindes e dinheiro arrecadado com a vizinhança. Era o “Judas”. Quem pegasse o boneco ficava com todo o recheio dele como prêmio. Os primeiros que tentavam iam limpando o tronco com sua roupa para os que vinham a seguir, facilitando a escalada desses. O segredo era ir ficando pro final. Mas e se alguém chegasse antes? Esse era o desafio: saber a hora certa de escalar e ter habilidade e coragem pra chegar lá em cima.

Olha quantas lições de sabedoria a gente tinha, de fazer inveja a qualquer “coaching” de agora.

A infração mais grave que a gente cometia era apertar a campainha das poucas casas que tinham e sair correndo.

Por quê nossos filhos ou filhas não tiveram essas experiências de vida? O mundo evoluiu, ficou tecnológico, mudaram os costumes, seriam essas as respostas? Minhas filhas cresceram e se tornaram pessoas maravilhosas, mas quando paro pra pensar na infância que tive, me pergunto se aquelas “aventuras” de criança não teriam feito falta a elas?

 

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Mário Neto, servidor do Tribunal de Justiça há 38 anos, bacharel em Direito, pós-graduado em Direito Privado, em Direito Empresarial com ênfase em Tributário e em Avalição Pericial de Bens, candidato a deputado Estadual (PSB)

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