Sobre a praça: memórias colaterais

Eloah Margoni

 

Versos de Casemiro de Abreu: “Eu me lembro! Eu me lembro! Era pequeno, brincava na praia; o mar bramia…”. Por  sorte ou azar, também me lembro eu, lembro-me sem mar de tantos lances da nossa  Piracicaba! Poderia ser muito mais e melhor essa cidade em termos de acolhimento humano, de cuidados ambientais, de conservação e respeito ao patrimônio histórico. Digo-o com pesar.

Falando bem pouco, quase nada, há questão de uns dezoito anos um movimento para ser feito calçadão na rua governador, com árvores, bancos de jardim, sem carros transitando, a exemplo de muitos locais e cidades que vemos terem os seus, no Brasil e em outros países. Aqui, toldaram-se os céus com a ideia. Grupos de pessoas contra a mesma surgiram: Não!Não! Não! Um arquiteto conhecido disse até, à época: “Nós piracicabanos gostamos de chegar de carro pertinho das lojas e das coisas, não é?”. E Nicas de biribidicas de calçadão na Governador, como resultado.

Ideia antiquada e elitista do arquiteto; mais até, visão limitada. Isso porque se o número de veículos aumentar (sempre aumenta) não haverá ruas, nem avenidas, nem estacionamentos que nos bastem. Já não há.

Resolveu-se, também, há uns quinze anos ou mais, abrir-se a rua defronte a Catedral de Santo Antônio, onde resiste ainda um calçadão. Cidadãos se opuseram e protestaram. Um padre muito respeitado e atuante, que exercia o sacerdócio na cidade há décadas, levantou  bandeira em defesa da permanência da área calçada. Com seu apoio, ganhamos a briga, mas o eminente clérigo foi, coincidentemente, transferido da cidade logo em seguida. Não se soube muito bem o porquê da transferência, para além das explicações dadas…

Quanto à praça José Bonifácio em si, sempre alvo de supressão de árvores nessas últimas décadas, quão pouco cuidados recebe a pobre! Cada vez menos praça. E, por falar em “pobre”, antes que se mencionem os moradores de rua, os drogadictos que lá se alojam atualmente, olhem para as causas disso, que são evidentes, fáceis de serem encontradas e diagnosticadas. Só empenho, trabalho e postura correta para corrigi-las.

Novo plano de ataque agora (depois de ter sido arrasado nosso histórico chafariz) está em curso. Tudo em favor dos carros, que as pessoas pouco interessam. “Revitalização” é como chamam. Termo temido pelos ambientalistas e defensores do patrimônio histórico por ser eufemismo para destruição e desequilíbrio ambiental, via de regra. A brilhante ideia de partir a praça ao meio para se abrir uma rua foi de um vereador, sempre cheio das maravilhosas, de manifestações verbais muito equilibradas. Estou sendo irônica, sabem.

Essa situação lembra-me também. o movimento Piracicaba 2010. A questão da mobilidade urbana deve ter sido pensada na ocasião, mas longe de ser equacionada e resolvida. Se assim fosse, Pira teria de ser outra, sua irmã gêmea, com o mesmo genótipo mas com fenótipo bem diferente porque alimentada, cuidada de modo muito  diverso e necessariamente superior. Piracicaba dos sonhos que cada vez mais se afasta da cidade real sob nossos pés, deixando seus habitantes com a sensação de falta do mais simples chão e de bons e amenos horizontes.

 

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Eloah Margoni, médica

 

 

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