Travessia – os dez mandamentos

Camilo Irineu Quartarollo

 

Com esforço descomunal e provações inauditaso povo israelita conseguiu fazer seu êxodo de um país que fora morada e cativeiro por séculos. O faraó promoveu a matança dos nascidos hebreus por temer o contingente que crescia e se multiplicava, quando num pequeno cesto entre os juncos Moisés foi retirado das águas do Nilo e o seu povo do Egito.

A libertação foi um processo de avanços e recuos narrados em prodígios divinos, de resistência e contradições nas terras do faraó e depois pelo deserto, na transformação de escravizados em povo. Se o escravizado tem em si a luta contra o opressor, o liberto não pode ser o opressor de outrem, tem de aprender a conviver civilizadamente com seus iguais para ser livre.

As provaçõescontinuam entre os israelitas no deserto, onde passaram fome, privações e começaram a sentir saudade do cativeiro. Moisés e outros líderes tiveram de contornar durante toda a travessia pelo deserto escaldante, sob murmurações do povo contra as regras da Lei. Já no deserto havia escolas, com transmissão oral e mnemônica de conhecimentos e tradições.

Os dez mandamentos são os fundamentos pétreos de todo o ideário e projetos posteriores de quando Israel se estabelece como nação. A pedra chave da abóbada, a do cume, do equilíbrio e sustentação de toda estrutura é o quinto mandamento: NÃO MATARÁS. Os dez estruturam-se pelo quinto, numa solução contínua,nos dez, os quais evidenciam a unção do quinto. O Deus bíblico é chamado de Deus vivo e se insurge contra toda forma de morte.

Do decálogoderivam-se preceitos como a proteção aos órfãos, viúvas, empobrecidos eestrangeiros, presentes inclusive no antigo código de Hamurabi, mas ao povo hebreu aparece como mandamento divino. O Senhor protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva. Percebe-se o espírito compassivo na colheita, na qual um feixe de trigo será deixado no campo ao estrangeiro e, ao sacudir as oliveiras, somente os frutos caídos se colhem no cesto, deixando-se os dos galhosaos pobres e viajantes.Os indígenas do Brasil têm essa consciência, a de usar o necessário e deixar o excedente aos necessitados, gente ou animais, para manutenção da vida e da floresta.

Devido à divisão entre as tribos os hebreus voltaram a ser escravizados pelos povos que os cercavam e, deportados,escravizadosnas terras dos assírios e babilônios, respectivamente. Em princípio a terra prometida fora a dos cananeus, depois a da consolação conforme canta Isaías, de retorno ao lugar de seus antepassados, dos exilados à sua terra natal ao som do shofar, mais uma vez como uma travessia, um aprendizado de deserto e solidões. O lugar que se rememora já não é o mesmono qual se estivera. Há que se refazer o caminho, o sonho.

Que o Brasil faça a sua travessia que se aproxima, que nesse mar de sangue e preconceitos baixem as armas e ondas do ódio. Passemos com as bênçãos e unção da vida.

 

Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor de crônicas, historietas, artigos e livros

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