Dorothy Day: como ver o jornalismo ético

 

José Osmir Bertazzoni

 

 

Considerando que o planeta Terra ainda é nosso universo palpável, e que é nele que vivemos e é dele que devemos cuidar, as preocupações sociais se tornam de fundamental importância. Assim não poderíamos ignorar e deixar de lembrar da serva de deus Dorothy Day, fundadora do Movimento Operário Católico.

Quando olhamos em nossa volta e notamos um mundo destruído pela ganância e pela exploração das nossas reservas com o abandono das pessoas oprimidas, verificamos que a paixão pela justiça de Dorothy foi inspirada no Evangelho e no exemplo santificado de outros protagonistas que, nesse mundo, deram suas vidas pela paz e pelo amor.

Com essas palavras o Papa Francisco se expressou (em 24 de setembro de 2015), durante sua participação no Congresso dos Estados Unidos, o primeiro Pontífice a falar naquela assembleia. A biografia de Dorothy Day foi escrita com maestria por Giulia Galeotti, chefe das páginas culturais do L’Osservatore Romano, no volume “Somos uma revolução” (Jaca Book). Uma jornalista que conta a comovente história de uma ilustre colega que incorporou perfeitamente a doutrina social da Igreja de Roma.

Para continuarmos essa história, temos que nos lembrar que o cristianismo (e aqui falamos em sentido amplo, incluindo católicos, protestantes e ortodoxos) não é apenas uma religião, mas uma filosofia.

De forma mais simplista, tratamos o cristianismo como uma “coisa de fé” e até como “crença irracional”. Portanto, nos é conveniente lembrar que a doutrina católica repousa sobre três pilares que formam a base da nossa religião. São eles: a Sagrada Escritura (isto é, a Bíblia); a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério. Não podemos perder de vista que, durante sua bimilenar história, essa religião produziu filósofos e intelectuais da mais alta grandeza, tais como Santo Alberto Magno, Santo Tomás de Aquino, Santo Agostinho de Hipona, Francisco Suárez, Pe. António Vieira, Pe. Juan de Mariana, Pe. Heinrich Pesch, Sören Kierkegaard, George Berkeley, C.S. Lewis, G.K. Chesterton, J.R.R. Tolkien, Pe. Gyorgys Lemaître, Jacques Maritain e Joseph Ratzinger, apenas para citar os mais notórios gênios da filosofia, do direito, da literatura, da economia e da teologia.

Esses autores ainda hoje influenciam discussões sobre ética, sobre epistemologia, sobre jurisprudência, sobre física, e é curioso como a civilização moderna e pós-moderna desprezou essa corrente de pensamento, mesmo quando ela demonstrava força suficiente para resgatar a Europa destruída e humilhada pela guerra por meio dos grandes estadistas da democracia cristã, tais como Konrad Adenauer e Ludwig Erhard, na Alemanha, e Alcide De Gasperi na Itália; além, é claro, do próprio Papa João Paulo II, cuja força de caráter e inteligência política fez derrubar os últimos muros do totalitarismo na Europa da “cortina de ferro”. No Brasil, poderíamos ainda destacar o trabalho ardoroso de um Franco Montoro no restabelecimento da democracia e do voto direto. Ainda, a luta política da democracia cristã no Chile de Pinochet com o honroso nome de Frei Montalva.

Dorothy Day (Nova York 1897) converteu-se ao catolicismo em 1927 e, seis anos depois, em 1933, fundou o Movimento Operário Católico, o movimento pacifista que começou com a publicação do jornal Catholic Worker e se dedicou à defesa dos pobres e trabalhadores. Daí a famosa frase da mulher, retomada no título do livro de Galeotti: “Não somos apenas um jornal. Somos uma revolução”. Uma figura muito interessante no panorama do catolicismo contemporâneo, sobretudo numa época em que se enfatiza fortemente a necessidade de uma presença feminina leiga na Igreja Católica, em particular no topo das hierarquias e, portanto, da Cúria Romana recentemente reformada por Bergoglio precisamente nessa direção.

A importância dessa mulher (gênio feminino) tem capacidade de proporcionar um impulso fundamental ao caminho eclesial. Suas lutas enraizadas na doutrina social da Igreja Católica são de extraordinária clarividência. Galeote escreve que “de muitas maneiras Dorothy Day precedeu o Concílio Vaticano II, empurrando a Igreja a reconhecer a objeção de consciência, dando-lhe conhecimento dos pobres que vivem nas grandes cidades, revelando a existência de uma realidade até então quase invisível, os leigos”.

“Reconhecendo como temas de fé aqueles que muitos cristãos viam exclusivamente como temas políticos – continua o jornalista -,Day antecipou muitas questões de justiça social que depois se tornaram importantes para o magistério católico: a opção preferencial pelos pobres, o compromisso ativo no pacifismo movimento, oposição ao racismo e ao antissemitismo, ecumenismo, envolvimento dos leigos na liturgia, espiritualidade baseada nas escrituras, Igreja pobre para os pobres, novas ideias para pensar a mulher e seu papel de cristã na instituição e no sociedade.

Além disso, uma das razões da existência do Operário é a inaceitável divisão entre os sacerdotes e o povo. Diante dessa enorme novidade no plano social e da contínua contestação da Igreja institucional (tê-la em uma diocese ‘era como ter uma bomba-relógio’), Dorothy Day, no entanto, expressa a mais severa ortodoxia e um certo tradicionalismo nas áreas ligadas ao afeto e ao casamento”.

Dorothy Day morreu em 29 de novembro de 1980, ela foi amplamente lembrada nas primeiras páginas de todos os principais jornais americanos. Apenas 17 anos depois, em 1997, a arquidiocese de Nova York comemorou o centenário de seu nascimento com o lançamento de sua causa de beatificação e canonização.

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José Osmir Bertazzoni, jornalista, advogado

 

 

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