PORQUE AMANHÃ É SÁBADO – Palavra vã

 

  

Nunca me imaginei tendo outro nome de batismo. Acho mesmo que meu pai e minha mãe acertaram em cheio nesse quesito. Um bebê obeso, escorpiano (da gema, com sol, lua e nuvens em escorpião) não poderia não se chamar Alexandre – claro, inspiração clássica extraída de Alexandre, “O Grande”. Hoje, aos 122 quilinhos bem pesados, penso que não me veria associado a nomes curtinhos como Edi, por exemplo, ou por nomes bíblicos pacíficos como José – ou ainda por influências místicas como Arjuna. Alexandre, acho, tem peso, tem tamanho e massageia o ego escorpiano – preciso confessar.

Pensando bem, é incrível perceber como algumas pessoas têm essa capacidade de acertar na escolha do nome dos outros. Carlos Drummond, por exemplo. Será que Drummond seria poeta se não se chamasse Carlos Drummond? Quer nome mais poético que esse? O cara já nasceu poeta. Já pensou em Drummond se chamando Alexandre? Não dá. Poeta Alexandre Drummond? Não funciona. Drummond tinha mesmo de ser Drummond. Ou melhor, Carlos Drummond, poeta e gauche na vida.  Na mesma linha vai Vinícius, o de Moraes, poeta e compositor. Não é um nome lindo? O destino já vem pronto! Vinícius de Moraes é nome que tem sonoridade marítima interna (iss…ciiii..oosss …aesss… ). É musical, quase canção. Já pensou se Vinícius se chamasse Carlos? Não dá.

O editor aqui, diretor deste matutino, também não poderia ter outro nome. Quer nome melhor que Evaldo para dono de jornal? Jornalista Evaldo Vicente! Não soa bem? É perfeito! Tem seriedade, credibilidade, inspira respeito. Já pensou se Evaldo se chamasse Vinícius? Não funciona. Vinícius Vicente? Não passa. Vinícius Vicente tem cara de cantor das antigas, de música romântica a la Vicente Celestino (aliás, outro nome perfeitamente ajustado à pessoa). Jesustambém é um nome desses difíceis de errar. Quem se chama Jesus parece já carregar um freio moral ou espiritual que o inibe a ser mal na vida. Pense aí: quantos políticos chamados Jesus você conhece? E ladrões? E assassinos? Punguistas? Larápios? Não. Nunca tive o privilégio de vivenciar a encarnação do paradoxo ao conhecer um Jesus ruim.

Já é velha (e não é minha) a piada que diz que Adão, o patriarca, foi o primeiro grande linguista da história – porque, dotado de uma rara criatividade poética e imaginação fenomenal, teria sido ele quem, segundo o Gênesis, deu nome a todas as coisas criadas por Deus. Já pensou? Baita invencionice verbal a dele! Dá até para imaginar: Adão andando pelo paraíso, pondo nome nas coisas(“isso é uma árvore, isso um camelo, isso um pônei…”).Acho que Adão também acertou quase cem por cento nos nomes que deu. Certamente, Adão não falava português – já o Diabo, com certeza, sim – e a linguística religiosa nos conta que o episódio da Torre de Babel foi o que deu força à criação divina para que surgissem as línguas. Se invenção adônica ou babelísticas (para inventar também aqui algumas palavras), ninguém pode negar que nada parece nominar melhor uma vaca do que a palavra vaca.

Outra palavra divina que, ao menos para mim, soajusta e perfeitaé linguiça. Arroz, idem. Chuveiro, então, nem se fale. Já pensou se chuveiro se chamasse linguiça e linguiça arroz? Não funcionaria. A palavra arroz tem cara, som e tamanho da “coisa” arroz. Linguiça, a mesma batida – ao falar linguiça até parece que escuto o barulhinho dela fritando na panela (aliás, panela é outra palavra ótima para o que designa).O diabo deve também ter dado uma força para que as palavras formem forma – lembrando, porém, que o Diabo é justamente aquele de quem não se pode dizer o nome. Afinal, diabólicas que são, algumas palavras geram confusão e bagunçam a mente. “Vã” e “van” estão nessa minha lista. Quando vejo uma van pelas ruas, logo lembro do verso “toda palavra vã”, de Djavan (olha a van aí até no nome!). Se uma van surge carregada de alunos, falo em segredo a mim mesmo o péssimo trocadilho: “lá vai a nossa vã filosofia”. Horrível.

E falando em coisas horríveis e vãs, encerro aqui me lembrando do poema concreto do mestre Augusto de Campos – que profetizando um futuro mais concreto, como sua poesia, escreveu: “Já ir, já vai, já foi.” Ave, mestre! Que Adão, Deus e o Diabo te ouçam.

 

Alexandre Bragion, cronista em vão deste matutino desde 2017.

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