Cúpula das américas Bolsonaro

José Osmir Bertazzoni

 

Desta vez com uso de capacete (item não obrigatório naquele estado americano), não poderiam faltar as mussolinicas motoceatas promocionais de Bolsonaro durante um evento internacional: Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, que terminou no dia 10 de junho.

Um evento “democrático” nascido sob a exigência da exclusão unilateral, pelos Estados Unidos (país anfitrião), de Nicarágua, Cuba e Venezuela: rotulados pelo governo Biden como regimes antidemocráticos, onde os direitos humanos são violados maciça e sistematicamente.

Não entraremos no mérito das acusações, visto que sequer para se defenderem os líderes desses países foram chamados, um processo de condenação internacional sem a prática do contraditório e da ampla defesa.

O México, por seu presidente Andrés Manuel Lopéz Obrador, recusou-se a aderir a essa situação injusta; também a Bolívia (Luis Arce) e Honduras (Xiomara Castro). Nem Najib Bukele e Alejandro Giammattei, respectivamente presidentes de El Salvador e Guatemala, foram à Califórnia, por estarem em conflito aberto com Biden, enquanto o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, foi impedido por atestar positivo da Covid-19.

Bolsonaro, presidente do Brasil, último país a reconhecer a eleição Biden, exigiu um encontro exclusivo (encontro bilateral com Biden), à margem da cúpula, isso como condição para participar com asdelegações brasileiras em Los Angeles.

Joe Biden havia, inicialmente, rejeitado a condição “sine qua non” do seu homólogo brasileiro, defensor ferrenho de Donald Trump, mas, no dia 8 de junho, dadas as inúmeras ausências (faltaram até 9 presidentes dos 35 países pertencentes à Organização dos Estados Americanos – OSA), concordou com a reunião.

Segundo informações da Casa Branca, Biden não deu a devida atenção ao Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e defendeu às claras o sistema eleitoral brasileiro, livrando-o de quaisquer suspeitas internacionais.

Para não ser diferente,Bolsonaro apareceu na Califórnia, atrasado, como sempre, mas a tempo de fazer seu discurso vazio (oco) na sexta-feira 10, dia em que também foi apresentado o projeto de migração coordenada e ordenada, texto que já entrou para a história como o “Los Angeles Declaração”. Este documento é certamente o grande objetivo que Biden queria alcançar nesta cúpula politicamente “manca”, onde se falava de uma solução para a crise migratória sem, no entanto, contar com a presença de nenhum dos presidentes dos países centro-americanos que constituem um dos focos do fenômeno.

“Nenhum país deve assumir sozinho o fardo dos fluxos migratórios”, disse Biden, ao apresentar o texto da declaração de Los Angeles com seus pares no continente. “Devemos parar com a dinâmica perigosa e ilegal com a qual as pessoas estão migrando. A migração ilegal não é aceitável e vamos proteger nossas fronteiras”, acrescentou.

Enquanto essas palavras ressoavam no Centro de Convenções, no centro de Los Angeles, chegaram notícias de uma enorme nova caravana, cerca de 5.000 pessoas, composta principalmente por venezuelanos, que havia iniciado a marcha do sul do México (Chiapas) para chegar à fronteira norte com os Estados Unidos.

A sociedade civil das Américas também desempenhou um papel importante na cúpula, apresentando petições coordenadas aos representantes diplomáticos dos Estados do continente americano sobre temas cruciais, como os desafios da mudança climática, igualdade de gênero, entre outros. Nesse sentido, uma das grandes petições que descumpriu e que encontrou o aval e apoio do presidente da Colômbia, Iván Duque, e do secretário-geral da OSA, Luís Almagro, diz respeito à criação de um novo tratado global para erradicar a violência contra as mulheres e meninas.

De fato, uma delegação da aliança Every Woman Treaty participou da cúpula: uma coalizão global de mais de 1.700 ativistas dos direitos das mulheres de 128 países diferentes e apoiada por 840 organizações. Uma aliança internacional que trabalha desde 2013 para alcançar um padrão global vinculante sobre a eliminação da violência contra mulheres e meninas, e que, após anos de consultas e ativismo, lançou um projeto de tratado em novembro de 2021, que representa um ponto de partida para os estados discutirem e aprovarem um novo quadro jurídico global vinculativo sobre o assunto.

O apelo, como mencionado, foi aceito por Iván Duque que, em seu discurso de encerramento, sexta-feira 10, declarou: “Hoje quero me referir à defesa ilimitada dos direitos humanos e, em particular, saudar todas as vozes que temos uma voz forte para que adotemos este tratado internacional para rejeitar todas as formas de violência contra mulheres e meninas. É aí que se concentra um dos maiores dramas da nossa região…”.

Luís Almagro também enfatizou que “temos a responsabilidade de promover e proteger os direitos fundamentais das mulheres e meninas em toda a sua diversidade, o direito de cada indivíduo a ser livre de todas as formas de violência […] Devemos nos comprometer urgentemente a promovendo um novo tratado global autônomo para acabar com a violência contra mulheres e meninas”.

Das Américas, portanto, em um cenário de grande simbolismo, essas duas importantes vozes juntam-se a dos Prêmios Nobel da Paz Jody Williams, Shirin Ebadi e Tawakkol Karman, à do ex-relator especial da ONU para violência contra a mulher Rashida Manjoo, e dos presidentes da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, e da Nigéria, Muhammadu Buhari. Um movimento global e plural que clama por ações urgentes para acabar com a violência contra mulheres e meninas, uma violência que a ONU Mulheres chama de “pandemia sombria” e que a OMS classifica como “devastadoramente generalizada”.

Basta registrar que os números da ONU dizem que uma em cada três mulheres no mundo sofre violência e que, só em 2020, cerca de 81.000 mulheres e meninas foram assassinadas: uma a cada seis minutos e meio.

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José Osmir Bertazzoni, jornalista, advogado

 

 

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