Publicar é cada vez mais fácil

José Renato Nalini

 

Recorro sempre a uma frase da querida Lygia Fagundes Telles, a mais cultuada romancista brasileira, sobre a escrita e os escritores: – “Hoje, todos escrevem! Há uma explosão de escritores! Nós precisamos é de leitores!”.
Ou seja: a grande escritora, acadêmica da ABL e da APL, vencedora do Prêmio Camões, presença corajosa na defesa da cultura e da literatura no regime autoritário, com obra filmada, teatralizada, televisionada, nunca viveu de direitos autorais. O Brasil não é um país de leitores.
Mas é legítimo querer publicar. Livros são, na verdade, como filhos. Concebemos, geramos, acompanhamos a sua formação, até que vêm à luz, quando publicados. Há muitos estímulos destinados a quem quer estrear na literatura. Recente artigo de Leandro Karnal era uma verdadeira aula de bem escrever. O filme “O autor”, disponível na Netflix, mostra um drama bem comum. O aspirante a escritor tem aulas, se submete a oficinas em que sua falta de talento é anunciada a todos os cursistas, não consegue concretizar seu projeto. Enquanto isso, a mulher, que escreve profusamente platitudes e clichês, cai no gosto do público e vende centenas de milhares de livros.
O bom escritor tem de ser melhor leitor. É lendo que se assimila estilo, linguagem, metáforas, figuras que podem tornar mais interessante uma obra. E escrever é treino. Deve-se escrever todos os dias. Um bom início é o diário. Registrar o que parece interessante. Ou aquilo que, não sendo interessante, assim se torna pelo talento descritivo do redator.
A boa notícia, que dá título a este artigo, é que existem inúmeras possibilidades de se publicar um e-book. Embora ainda não tenha caído no gosto popular, tenha vulnerabilidades como a pirataria, o livro eletrônico facilita bastante a publicação dos iniciantes. Para os novatos, é o caminho mais promissor. Pois o livro digital democratizou o acesso à publicação. Aqueles que não encontram editora interessada, podem recorrer a várias empresas que se propõem a publicar o livro. Em regra, fazem as duas versões: o livro físico e o livro digital. O primeiro só é adquirido on demand, ou seja, a partir da compra do interessado. Isso permite se publique um só livro. Ou dez exemplares, para entregar aos amigos ou à família.
A Amazon, grande conglomerado que é uma das gigantes contemporâneas, ao lado de Google, Microsoft, Alibaba e poucas outras, tem uma plataforma de publicação de livros digitais chamada Kindle Direct Publishing. Esses escritores já receberam de direitos autorais mais de um milhão e meio de dólares. O projeto da Amazon permite que os escritores recebam participação muito maior do que o usual nas editoras convencionais. Chegam, na Amazon, a receber até 70% do valor cobrado pelo e-book.
É um estímulo e tanto para quem não consegue reprimir a vontade de escrever. Como a maioria dos escritores escreve para si próprio, há uma demanda reprimida por publicação, que pode ser atendida pelo e-book. Uma reportagem de Lucas Agrela, para o Estadão, narra o sucesso obtido por Alberto Brandão, que publicou, sob o pseudônimo Startup da Real, a obra chamada “Este livro não vai te deixar rico”.
Ele desmistifica o empreendedorismo, um dos verbetes mais utilizados no cotidiano, que ilude muitos jovens à procura de sobrevivência digna num país que tem vinte milhões de nacionais passando fome e outros quinze milhões procurando emprego. As startups estão, para esse público, assim como o futebol costumava alimentar a fantasia dos moleques brasileiros. Todos se achavam potencialmente Pelés, Ronaldinhos ou Neymares… Quantos se deram bem no futebol? Quantos ficaram frustrados ou retidos no futebol de várzea?
Assim também as startups. Alguns vencem. Mas é preciso tenacidade, imaginação, um lastro cultural que, infelizmente, a escola não fornece. Ela está no medievo, transmitindo informações – quase sempre desnecessárias – para que o educando as decore. Arquive na memória para acertar quando for avaliado.
Por isso é importante escrever. Ler e escrever. Praticar. Treinar. Não esmorecer. Foi o que Alberto Brandão fez. Seu livro caiu na rede e foi apreciado por milhares de pessoas. Isso fez com que a editora Planeta se propusesse a publicar versão ampliada em edição impressa.
Publicar, portanto, é cada vez mais fácil. Não hesite. Ponha suas ideias no papel ou na telinha. Vale a pena.
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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras (2021-2022)

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