“Brasil: Nunca mais!”

Cecílio Elias Netto

 

É insultante, mentira deslavada, negar a ditadura brasileira a partir de 1964. Ela existiu! Perdurou por mais de duas décadas. E foi, por alguns anos, feroz, sangrenta. Mentem vergonhosamente os que a negam. Não importa sejam civis ou militares, nem que estejam no ou fora do poder. Uma das muitas notáveis testemunhas, dissesse a verdade, poderia ser o conselheiro-mor do presidente da República: o general da reserva Augusto Heleno. E que história ele teria a contar!
Augusto Heleno foi importante assessor do General Sylvio Frota, quando este era Ministro da Guerra na presidência de Ernesto Geisel. Era o início da chamada “distensão política”, com o propósito de encerrar a ditadura. Os militares estavam divididos em grupos denominados “da Sorbonne” – alinhados a Castello Branco – e os da “linha dura”, de Costa e Silva e Médici. O radical Sylvio Frota – querendo manter a ditadura – tentou dar “um golpe no golpe” e foi deposto pelo presidente Geisel. E Augusto Heleno também caiu fora.
O golpe de 1964 não foi iniciativa apenas de militares. Foi projeto militar-civil, com participação de lideranças civis e de políticos. Três governadores de estado lideraram a intentona: o mineiro Magalhães Pinto, Carlos Lacerda (da então Guanabara) e o paulista Adhemar de Barros.
Lembro-me de tudo e vivi essa história ao longo dos seus 21 anos. Na noite de 31 de março de 1964, eu estava na celebração dos aniversários dos queridos Luiz e Diva Guidotti. Aos meus ainda 23 anos de idade, eu era diretor da “Folha de Piracicaba”, jornal criado por um grupo empresarial da cidade. O José Luiz – filho de Luiz e Diva, pai do Júnior, atual secretário municipal – e eu éramos amigos desde a infância. Wilson, filho de Luciano Guidotti, era meu concunhado; Luciano e dona Amélia tinham sido padrinhos de meu casamento com Mariana. Relações, pois, muito próximas.
Aguardava-se a presença do governador Adhemar de Barros – amigo pessoal de Luiz Guidottti. Então, Luiz foi chamado ao telefone. Era Adhemar. Que justificava a sua ausência por motivo grave: começara a rebelião contra o governo de João Goulart. E vinha de Minas Gerais. Foi, pois, na casa de Luiz e Diva Guidotti que Piracicaba soube da tragédia que mataria a democracia.
Parte dessa história, já a contei no livro “Piracicaba Política”. A democracia ruiu. E surgiu a lei do ditador de plantão. A violência espalhou-se pelo país. Acontecera o previsível: “Na ditadura, o perigo é o guarda da esquina”. Piracicaba foi vítima de diversos deles. Os porões policiais tornaram-se verdadeiras masmorras. As torturas a prostitutas, drogados, pessoas indefesas faziam até as pedras clamarem de indignação. Denunciamos tudo isso. E a que preço!
Não há como silenciar diante dos que negam o horror daqueles anos, querendo repeti-lo. Ora, não tenho mais forças para ver o retorno da mesma desgraça. A verdade foi toda escancarada principalmente no livro “Brasil: Nunca Mais”, corajoso documento organizado por Dom Paulo Evaristo Arns e a Arquidiocese de São Paulo. Lá estão os horrores acontecidos na ditadura: tortura, mortes, desaparecimentos. Que cidadão decente pode pretender, para seus filhos, tal miséria? Lembremos, então, aos candidatos a ditadores: àquele Brasil, “Nunca Mais”.
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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana ([email protected])

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