A Cantora Careca – o Teatro do Absurdo e o Cotidiano

Maria Teresa S. M. de Carvalho

 

Neste mês de abril, no Teatro Erotides de Campos, com uma única apresentação, chegou para a grande plateia o Espetáculo A Cantora Careca, texto de Eugéne Ionesco, sob direção e adaptação de Carlos ABC, som de Cesar Nogueira, Luz de Maurício Augusti. Com um talentoso elenco, a peça ofereceu ao público o hilário, inusitado e pitoresco Teatro do Absurdo, com imagens radiantes, figurino ímpar e personagens caricaturais, trazendo o cotidiano e os encontros casuais.
A peça retrata um casal, senhora e senhor Smith, genialmente interpretados por Rosangela Pereira e Leonel Ferraz, que habita na cidade de Londres, com trejeitos e maneiras peculiares. O ambiente está no entorno da realização de um jantar no domicílio familiar, tendo como convidados outro casal, senhora e senhor Martin, habilmente interpretados por Mayara Kristina e Wellington Camargo, também com comportamentos ora hilários, ora absurdos. Durante as cenas, Mary, a empregada da casa, vivida com muita graça por Daniela Tonin, e a presença de uma oficial bombeira cheia de energia, interpretada pela atriz Viviane Souza, dão o contorno ainda mais empolgante.
Os diálogos que compõem a narrativa tratam de assuntos corriqueiros, com conteúdo absurdo e surreal, revelando um estado mental de loucura num mundo perdido e sem sentido. Apesar dos extremos, o espetáculo resgata muito de nosso universo cotidiano, com pensamentos desconexos, falas vazias, introspecções aleatórias, sem densidade racional. O público, diante de falas engraçadas, mergulhadas no verdadeiro escracho, encontra a crítica social: qual o sentido de nossas ações e reflexões num mundo tomado pela superficialidade e frivolidade? Com muita graça, o diretor Carlos ABC direciona a plateia para o sorriso, assim como para o debate político e moral de nossas ações.
Carlos ABC foi impecável na forma e conteúdo. O figurino e a cenografia levam o público ao universo onírico, o lugar paralelo do absurdo, com cores, atitudes inesperadas, rompantes dos personagens. O comportamento destes últimos orbita entre divagações inimagináveis e expressões corporais, divididas entre passos, canto, gingados, grunhidos e tic nervoso. Os atores estiveram impecáveis, carregando o roteiro com diversão, dramaticidade e exagero estapafúrdio. Um verdadeiro espetáculo para aqueles que amam a arte teatral!
A peça A Cantora Careca trouxe muito do estado inconsciente, algo meio instintivo e selvagem. A plateia pode encontrar-se através das narrativas, confrontando-se com os sentimentos, desejos e atitudes mais instigantes que conformam a nossa prática social e cotidiana. A destreza dos atores e atrizes, assim como a genialidade do diretor Carlos ABC souberam impactar, encantar e direcionar os nossos pensamentos para um mundo que precisamos transformar, menos imponderável, mais racional e justo. Encontramos na narrativa a verdadeira crítica social! Daí a capacidade do mestre ABC que transita entre o local e universal, falando das paixões, da sanidade e da demência humana!
Esperamos novas apresentações do espetáculo A Cantora Careca na cidade de Piracicaba, retornando com seu humor único e seus atores e atrizes talentosos. Na primeira exibição, o teatro esteve lotado, com um publico atento, externalizando a verdadeira comoção que a peça exige e desperta de maneira incansável! A linguagem da arte do absurdo revela-se inspiradora para reencontrarmos o elementar, o razoável no cotidiano das relações humanas.
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Maria Teresa Silva Martins de Carvalho, assistente social e escritora

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