A palavra recorrente dos políticos

João Ribeiro Junior

 

Dizem os políticos (de esquerda ou de direita) que o direito à liberdade só se aperfeiçoa numa democracia. Mas, que tipo de democracia? Uma vez que o conceito de democracia ´complexo, polissêmico, se não elástico para atender casos particulares. Hoje, o conceito de democracia tornou-se um estereótipo, uma palavra repetida, sem essência nenhuma. Daí a facilidade com que com ela vem sendo empregada, e muitas vezes sem sentido, principalmente em contextos sócio-políticos que não correspondem à realidade. O que se pode afirmar é que, a partir dos gregos. (Vale lembrar que para Platão e Aristóteles, democracia é a pior forma de governo. Platão (“República”, Livro VIII) entendia que uma sociedade democrática levaria sua sede de indisciplina e igualdade ao extremo, “tolerando a desordem e recompensando as inteligências comuns, reservando sua aprovação, tanto na vida privada quanto na pública, aos chefes de governo que se comportam como súditos e aos súditos que se comportam como chefes de governo”. E Aristóteles, compartilhando desta concepção dizia “onde o pobre governa isto é a democracia” (“Política”. Livros V e VI, e “Ética a Nicômano, ” Livros VIII a X).
Passando por Abraham Lincoln, com seu discurso de Gettysburg (1873), onde conceitua democracia como o “governo do povo, pelo povo e para o povo” – os teóricos da democracia vêm se repetindo.
Entendo que a democracia não consiste apenas em um ideal político, isto é, num puro dever-ser. A discussão sobre os fins da democracia entreabre a importante questão dos meios. Sob esta perspectiva, o conceito de democracia representa mais do que uma filosofia política; constitui, também um processo político, ou seja, uma forma institucionalizada de participação da sociedade no exercício do poder, que pressupõe a existência de um conjunto de instituições políticas ordenadas a essa participação. Mas, acima de tudo, a democracia é uma vocação. Vocação humana nascida da liberdade.
E assim da aristodemocracia dos antigos germanos à democracia ditatorial popular dos chineses de Mao, as diversas significações enxameiam. Os fabianos ingleses do século XIX falavam de democracia industrial; os comunistas ainda falam em democracia popular; os norte-americanos, em democracia social (que é também o que se repete diariamente entre nós.; e o Japão continua a ser uma democracia trabalhista. Fala-se, ainda, em democracia revolucionária, ou em socialismo democrático. E essa palavra sem cerimônia pretende a consistência e ignora a sua insistência. Aliás, Marx e Engels afirmavam que a primeira fase da revolução operária é o advento do proletariado como classe dominante e a conquista da democracia.
Parece sistema que tem tudo para funcionar e que, pela sua lógica natural e simples, e pela sua inerente justiça, deveria originar sucessões de governos democráticos, mas isso não acontece. Na verdade, não tem existido em nenhum lugar do mundo, durante um tempo apreciável, um governo do povo, pelo povo e para o povo. Recorde-se que tanto Mussolini como Hitler foram eleitos democraticamente. Para não mencionar certos presidentes sul-americanos com tendência ditatorial, que se dizem democratas.
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João Ribeiro Junior, advogado (USP), docente de Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, de História, doutor em Educação, mestre em Filosofia (Unicamp)

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