Reflexões sobre a guerra

João Ribeiro Junior

A guerra, que quase todos os homens desprezam, mesmo aqueles que depois a causam, compareceu pontualmente desde os albores da vida humana sobre a terra; dependerá ela de uma causa fisiológica? É um fenômeno inevitável na vida? É útil ou danosa à espécie?
E qual a verdadeira causa que a determina?
O biólogo inglês Julian Huxley, no livro “A Guerra como Fenômeno Biológico” explica que a guerra não é uma lei geral da vida, mas um fenômeno biológico raríssimo. A guerra é algo absolutamente definido: é um conflito físico organizado entre grupos de uma mesma espécie. As disputas individuais entre membros de uma espécie não são a guerra, ainda que incluam massacres e mortes. E nem se pode chamar de guerra à competição entre duas espécies diferentes, ainda que conduza a um conflito físico.
Segundo o biólogo, apenas duas espécies de animais fazem habitualmente a guerra: o homem e a formiga. E mesmo entre as formigas a guerra é no máximo feita por um só grupo que compreende apenas algumas espécies entre as dezenas de milhares que a ciência conhece. Essas formigas guerreiras são as formigas ceifadeiras, que acumulam em silos subterrâneos especiais as reservas de víveres, que constituem o objeto da guerra, quando os habitantes do formigueiro desejam atacar as reservas de um outro grupo.
Se a guerra não existe em toda a natureza, nem é fenômeno constante da história, nem traz vantagens, é lógico pensar que seja possível aboli-la, afirma Julian Huxley. A guerra se verifica em determinadas condições e não em outras. Não se tem nenhuma prova, (afirma Julian Huxley em “Tempo de Revolução”) de que o homem pré-histórico tenha feito a guerra; e podemos estar certos de que mesmo que a tenha feito, qualquer guerra entre grupos na época em que os homens viviam de caça deve ter sido tão rara quanto massacrante. É bastante improvável que a guerra organizada tenha começado anteriormente à fase de civilização estabilizada. Para o homem, como para as formigas, a guerra sob qualquer forma concreta está ligada à existência de massas de riqueza acumulada, por cuja posse seja necessário combater. Todavia, mesmo depois que o homem aprendeu a viver em cidades e a acumular riquezas, não parece que a guerra se tenha tornado inevitável. A antiga civilização indiana, que remonta a 3 mil anos a.C., não revela traços de guerra entre esse povo. O poema épico indiano, escrito em sânscrito, o “Mahabharata”” deve ser compreendido como uma narrativa histórica moral, onde a história é encarada como um confronto moral cósmico, onde interagem incessantemente deuses e homens. Outro poema épico, onde se fala de guerra, é o “Ramayana” (desse sabe-se o nome do autor, Valmiki). O significado do título em sânscrito é “O Caminho de Rama” Parece ter havido períodos de batalhas na história primitiva chinesa, como na civilização dos incas no Peru, nos quais a guerra estava inteiramente ou quase inteiramente ausente.
O problema é que existe uma tendência genérica à agressividade, daí muitos afirmarem que a guerra é necessária, e mesmo benéfica para a humanidade, porque estimula as virtudes viris, mistura as características hereditárias de comunidade, diminui a excessiva densidade da população.
Carl von Clauserwitz, militar nascido na Prússia no século XVIII, define a guerra em seu livro “Da Guerra (Vom Kriege): “A guerra é um ato de violência planejado com o objetivo de forçar o adversário a executar o nosso desejo”. Desta definição, deduz-se logicamente que todas as guerras deviam terminar com a vitória completa dum dos lados sobre o outro, e também que moderação na guerra é um absurdo, dado que qualquer falha na utilização dos recursos de que se dispõe vai contra o objetivo da guerra. Ou seja, a guerra existe para satisfação do desejo do homem guerreiro.
Ainda que no homem exista uma tendência genérica à agressividade esta pode ser sublimada assumindo aspectos muito mais úteis e civilizados do que a guerra. Para tanto, é preciso encontrar o equivalente moral da guerra, reduzindo ao mesmo tempo as reservas de agressividade potencial que agora existem em muitos grupos sociais.

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João Ribeiro Junior; advogado (USP), docente de Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, de História, doutor Educação, mestre em Filosofia. (Unicamp)

 

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