Amanhã é sábado

Alê Bragion

 

Porque amanhã é sábado, esta coluna bem quem poderia – ou deveria – se chamar “sextou.” Mas não se chama, nem vai – eu acho. Porque amanhã é sábado, resolvemos – o editor e eu, este humilde (nem tanto) colunista, que sofre de dor crônica de coluna – homenagear antecipadamente a poesia dos sábados de manhã, mesmo sendo hoje sexta e sabermos que, sim, sextou.
O fato é que, confesso, além de sofrer de coluna, sofro também de ansiedade. Por isso, mais do que sexta, hoje é véspera de sábado (!) – hoje é véspera da poesia dos sábados – e a minha coluna, ansiosamente dolorida, quer sextar e sabadar ao mesmo tempo e agora. Ansiedade é fogo. E nada melhor do que uma sexta-feira para dar aquela acelerada na respiração dos ansiosos – como eu – que se põem a pensar: nossa, amanhã é sábado, o que será que vai dar?
Quase sempre, para falar a verdade, os meus sábados não dão em nada. (Talvez daí, justamente, venha a poesia nostálgica que vejo nos sábados: expectativa e ansiedade dividida pela percepção da realidade concreta). Sábado, ao menos, é dia de ler com mais calma. Aliás, adoro essa imagem: os jornais imensos sobre o colo, os óculos convertidos em olhos de lince, a xícara de café fumegando na ponta da mesa, o sol entrando ainda fraco pela janela. Lindo. Porque amanhã é sábado, podemos hoje projetar sua beleza imagética.
Na realidade, lamento, aos sábados leio os jornais com a velocidade que a minha ansiedade permite. Ou seja, misturo os cadernos, embaralho as folhas e os jornais, queimo a língua com o café bebido às pressas ao sair do fogão enquanto atendo alguma ligação telefônica ou respondo uma mensagem pelo celular. Não há também aquela janela com sol entrando, nem cenário intelectual de foto de rede social (tudo é construção, não se esqueçam). Mas amanhã é sábado e essa é a vida – ao menos a minha – real. (Amanhã é sábado – apesar e também porque as crianças dos vizinhos fazendo um tremendo barulho nos quintais). Não há idílio. Há o sábado.
Porque amanhã é sábado, relembro aqui que esta é a terceira vez em cinco anos como colunista de A Tribuna Piracicabana que mudo de dia de publicação e de nome de coluna. Ansiedade é fogo – é sério. A cada vez que começo uma coluna nova num novo dia já fico a pensar se não seria melhor mudar de dia e o nome da coluna. Paciência. (E paciência é o que não falta, ainda bem, ao diretor e editor deste jornal. Amém!). Porque amanhã é sábado, o editor, o leitor e eu temos de ter paciência.
Porque amanhã é sábado, lembro que a primeira coluna iniciada aqui, nos idos de 2017, era publicada às terças e se chamava “Aleatorium” (uma brincadeira que fundia os vocábulos “Alê” e “aleatório” submetidos ao genitivo do Latim “um”. O que dava, hipoteticamente, algo como “aleatório do Alê”. Uma bobagem, eu sei, mas eu gostava). Anos depois, dado o aparecimento da pandemia, mudamos a coluna para às quintas-feiras e ela passou a se chamar “Crônica de Quinta”. Agora, vencidos os anos mais duros da pandemia (será?) a ideia é fechar a semana de maneira mais leve (será?), quem sabe mais poética (será?) e mais ansiosa também (é claro) – porque amanhã é sábado.
Porque amanhã é sábado, lembro ainda que Vinícius tem um poema lindo – musicado por ele também – chamado “Dia da Criação”. Nele, o poeta escreveu: “Há um renovar-se de esperanças (Porque hoje é sábado). E há uma profunda discordância (Porque hoje é sábado). Há um sedutor que tomba morto. (Porque hoje é sábado). E há um grande espírito de porco (Porque hoje é sábado).” E ainda: “Há um beber e um dar sem conta. (Porque hoje é sábado). Há uma infeliz que vai de tonta. (Porque hoje é sábado). Há um padre passeando à paisana. (Porque hoje é sábado). E há um frenesi de dar banana (Porque hoje é sábado). Há a sensação angustiante. (Porque hoje é sábado). De uma mulher dentro de um homem. (Porque hoje é sábado). Há a comemoração fantástica. (Porque hoje é sábado). Da primeira cirurgia plástica. (Porque hoje é sábado). E dando os trâmites por findos. (Porque hoje é sábado). Há a perspectiva do domingo. Porque hoje é sábado (sábado!)”.
Aí, ansiedade! Hoje não é sábado! Apesar disso, a poesia está aí, nos chamando a esperar o que não vem (ou vem?). Como resistir a ela? Como resistir à ansiedade do amanhã? Vivamos o hoje (sempre me ensinam isso para ver se consigo combater a ansiedade, mas nunca dá certo – já aviso). Vivamos o hoje, sabendo que “sextou” e que, finalmente (ufa!), amanhã é sábado (como bom ansioso que sou, advirto: pode ser que amanhã não dê em nada). Que seja. Vivamos. Afinal, triste e nostálgica (ou alegre e colorida), a poesia já está aqui, já está aí, vibrando no ar de tanta ansiedade (como eu) só porque, claro, amanhã é sábado.
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Alexandre Bragion, poeta

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