As Raízes profundas do feminicídio

Rai de Almeida

 

Mais uma vez, fomos tomadas por mais uma trágica notícia de um novo feminicídio em Piracicaba. Desta vez, uma mulher de 41 anos – mãe de dois filhos – foi morta pelo homem com quem permaneceu casada por mais de 20 anos e de quem estava se divorciando. Assassinada na última quinta-feira 24/03, à plena luz do dia e em bairro nobre da cidade, a vítima teria sua primeira audiência de separação programada para ocorrer no dia seguinte. O assassino, ex-marido da vítima e pai de seus dois filhos, já tinha contra si uma medida protetiva impetrada pela ex-mulher e filhos – uma vez que, pelo que noticiado pela imprensa, a vítima e o filho mais velho já haviam sido vítimas de agressões e ameaças desse “homem”.
Parte de um ciclo vicioso que encontra respaldo em grupo expressivo de nossa sociedade – uma vez que o combate à toda e qualquer forma de violência contra a mulher ainda é repudiada e considerada por muitos como “mimimi” –, o feminicídio ocorrido na última quinta-feira insere-se, com sangue e lágrimas, nas estatísticas nacionais, estaduais e locais dos números que registram os ataques e o morticínio da mulher brasileira, paulista e piracicabana. E, como parte de tal ciclo vicioso tenebroso, o assassinato praticado pelo marido da vítima – pai de seus filhos (nunca é demais destacar!) – expõe novamente os problemas, incongruências, descaso e inoperância de nosso poder público para fazer desaparecer ou diminuir ao extremo tais números que – se tragicamente não mais nos surpreendem – sempre nos chocam, indignam e enojam.
No campo de batalha em defesa dos direitos, da igualdade, da segurança e da vida de todas as mulheres, nós – da Procuradoria Especial da Mulher da Câmara Municipal de Piracicaba – seguimos diariamente cobrando do poder público ações efetivas no combate à violência contra a mulher, bem como também denunciamos cotidianamente a falta de políticas públicas que amparem, protejam e acolham as mulheres vítimas de violência e em situação de risco de vida. Por vezes, levamos a público e expusemos – inclusive ao lado da Rede de Atendimento e Proteção às Mulheres de Piracicaba – a ausência de casas de acolhidas e ou abrigo e de outros equipamentos e instrumentos que – se partes integrantes de um plano maior de políticas públicas contra a violência contra a mulher – auxiliariam expressivamente no socorro a essas vítimas.
Nesse sentido, cumpre lembrar – a partir de solicitação feita em meados do ano de 2021 – que ainda estamos esperando, na Procuradoria da Mulher, que o representante maior do Executivo local – o senhor Prefeito Luciano Almeida – nos atenda para que – enquanto Procuradoras e junto com a Rede de Atendimento e Proteção à Mulher – possamos debater com ele acerca das propostas necessárias para que ações efetivas de proteção, atendimento e cuidado com a mulher vítima de violência em Piracicaba possam encontrar no município os instrumentos e as instituições legais que as garantam e auxiliem em sua execução.
Ponta de um imenso iceberg – para usarmos aqui uma metáfora clássica destinada a ilustrar quão grande é a dimensão de um problema escondida por trás de acontecimentos pontuais marcantes e dolorosos –, o femicídio que impactou a cidade de Piracicaba na última quinta possui raízes que, infelizmente, são fertilizadas por gestões pouco capazes, por falta de vontade política, por descaso de autoridades, por falhas ou pela inexistência de políticas públicas que que ofereçam possibilidades reais de segurança às mulheres – cabendo destacar que essas complexas deficiências não surgiram agora ou nesta gestão, mas estendem-se no tempo até ela e nela, até o momento, não encontram respaldo para que possam exibir quaisquer sinais de melhora.
Infelizmente, e enquanto nada de concreto for feito para que tenhamos uma linha de combate à violência contra à mulher proposta e amparada pelo poder público, enquanto seguirmos sem projetos e sem políticas públicas que acolham às vítimas de violência e garantam a elas novas possibilidades de vida, seguiremos apenas contando e lamentando – outra e outra vez – a morte de mais uma de nós. E isso, evidentemente, jamais toleraremos.
Neste momento tão triste – em que mais uma mulher é vítima fatal de um homem, em que mais uma mãe é morta pelo seu ex-marido de maneira torpe e bárbara – que nossas vozes se unam mais uma vez para cobrar, para exigir e para mostrar à toda sociedade que não há “mimimi”, mas sim uma necessidade sempre urgente de nos fazermos ouvir e de nos fazermos ainda mais unidas e fortes. Juntas somos mais fortes.
Carolina, presente!

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Rai de Almeida, vereadora (PT) em Piracicaba

 

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