O verdadeiro alcance da “Lei do Reconhecimento”

Armando A. dos Santos

 

Tratamos, no último artigo, da sucessão imperial no Brasil, cuidadosamente prevista, em termos muito claros, pela Constituição de 1824. Consideraremos hoje a chamada “Lei do Reconhecimento”, uma disposição legal infraconstitucional, que em 1826 fixou normas para o reconhecimento dos herdeiros. Veremos o verdadeiro alcance desse reconhecimento.
O simples cotejo dos dispositivos constitucionais que tratavam da sucessão evidencia que o reconhecimento do herdeiro, por parte da Assembleia Geral, não pressupunha um direito, dessa Assembleia, de recusar se bem o entendesse o Príncipe Imperial. Com efeito,
– o art. 117 determina minuciosamente a ordem de sucessão ao trono, de modo a não haver dúvida sobre quem é o herdeiro presuntivo do mesmo;
– o art. 105 determina que “o herdeiro presuntivo do Império terá o título de Príncipe Imperial”;
– e o art. 15, 3°, determina que é atribuição da Assembleia Geral reconhecer o Príncipe Imperial como sucessor ao trono, na primeira reunião, logo depois de seu nascimento.
Note-se que não compete à Assembleia, nem ao monarca, nem a ninguém, designar o sucessor: ele já está designado por força do art. 117. Também não compete a quem quer que seja fazê-lo Príncipe Imperial: ele já o é por força do art. 105. Tampouco compete a alguém julgar do caráter e dos predicados do herdeiro, antes da cerimônia de reconhecimento, para decidir se ele está realmente à altura da sucessão: o reconhecimento tem seu tempo inapelavelmente fixado pela Constituição, devendo ser realizado na primeira reunião das Câmaras, logo após o nascimento do herdeiro.
Ao reconhecer o Príncipe Imperial, pois, a Assembleia Geral não lhe conferia direito à sucessão, mas tão somente ratificava direito já preexistente, conforme ensinou muito bem o Dr. Pedro Autran da Matta Albuquerque, professor do Curso Jurídico de Olinda: “O herdeiro presuntivo do Império é reconhecido como sucessor do trono em assembleia geral, na primeira reunião logo após o seu nascimento. Esse reconhecimento é uma ratificação solene do direito que lhe assiste, a fim de dar estabilidade ao governo e inculcar aos povos o hábito do respeito e da obediência” (Elementos de Direito Publico, Recife, Typ. Imparcial, 1849, p. 22).
Deve-se, ainda, para interpretar devidamente o texto constitucional, considerar a intenção do legislador. É evidente que o reconhecimento do herdeiro, por parte da Assembleia Geral, tinha como finalidade assegurar a perpetuidade, a continuidade e a estabilidade da instituição monárquica. Essa ideia, aliás, está contida de modo muito claro nas palavras citadas do Dr. Pedro Autran. Aberra das boas regras jurídicas querer interpretar esse reconhecimento dando a ele um caráter eletivo (ao gosto republicano) que ele nunca teve, e que traria como consequência instabilidades, divisões e disputas – também ao gosto republicano – ou seja, precisamente o contrário do que o legislador visou [12].
Entre os comentadores da Constituição de 1824, nenhum encontramos que, sequer de longe, pudesse dar qualquer base a essa interpretação “republicana” do referido art. 15, 3°. Pelo contrário, o sentido geral dos comentários feitos a esse dispositivo era o de destacar sua conveniência e sua oportunidade para que, sendo logo reconhecido como herdeiro o príncipe que o nascimento indicava para tal, a sucessão fosse pacífica e sem divisões, e desse modo se assegurassem devidamente a estabilidade e a continuidade das instituições.
Entre os comentadores da Constituição de 1824, nenhum encontramos que, sequer de longe, pudesse dar qualquer base a essa interpretação “republicana” do referido art. 15, 3°. Pelo contrário, o sentido geral dos comentários feitos a esse dispositivo era o de destacar sua conveniência e sua oportunidade para que, sendo logo reconhecido como herdeiro o príncipe que o nascimento indicava para tal, a sucessão fosse pacífica e sem divisões, e desse modo se assegurassem devidamente a estabilidade e a continuidade das instituições.
O art. 15, 3°, da Constituição de 1824, foi devidamente regulamentado em 26-8-1826, poucos meses após o nascimento do primeiro Príncipe Imperial (futuro D. Pedro II) pela chamada “Lei do reconhecimento”. Essa lei se limitava a fixar as formalidades que deviam ser observadas no ato de reconhecimento: o local, a contagem dos deputados e senadores presentes, o cerimonial a ser seguido, os termos em que devia ser lavrado o competente instrumento, o número de vias do mesmo, o destino a ser dado a cada uma delas, a gala de que se devia revestir o ato, a participação que se devia dar às províncias etc.
Tal lei era, por sua natureza, derivada da Constituição, e não podia ter mais força do que esta. Se a Constituição não conferia à Assembleia poderes para deliberar se lhe agradava ou não reconhecer o Príncipe Imperial, a fortiori tais poderes não poderiam ser conferidos por uma lei ordinária feita pela própria Assembleia.
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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba

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