Terra à vista, bunda à vela

Camilo Quartarollo

 

No mastro mais alto nas naus antigas ficava o cesto do observador. Um lugar inseguro, de altura vertiginosa, na dança do mar com os solavancos do barco, os zunidos dos ventos frios do oceano com seus monstros, ondas de arrebentação ou tempestades. Advêm os vômitos e diarreias aos marinheiros de primeira viagem e pegos da roça, sem conhecimentos náuticos apelidaram bombordo e estibordo de cebola e alho. Assim a esquadra de Cabral veio dar nas praias.
O grande Macunaíma viu dos montes de Roraima os estranhos chegarem pela Costa. O feiticeiro deles foi logo riscando num papel que “descobriram” terras. Papel de branco aceita tudo, suspirou Macunaíma e deitou novamente na rede. Depois de pensar muito deitado, por dias, Macunaíma decidiu não interferir e mais tarde os invasores permitiram o futebol e o carnaval!
Os estudiosos dizem que a terra constava nos registros secretos da Coroa. Antes dos franceses ou espanhóis lançarem mãos queriam fazer da terra sua posse, como aquela brincadeira do “eu vi primeiro”.
O escrivão Caminha analisa o perfil dos que não escondem “as vergonhas”, pois os brancos malcheirosos usavam longas indumentárias. Acreditavam eles que não deviam perder os fluidos do corpo e tomavam banhos a cada dois anos ou mais. Os selvagens livres e soltos, porém, banhavam-se diariamente e com “suas vergonhas” limpas e abundantes.
Homem nu é redundância, diria que pleonasmo. Você já ouviu alguém dizer macaco nu, gato nu, galinha nua? Ora, a natureza assim se manifesta e ao nascer viemos ao mundo peladinhos ou peladinhas. A própria língua é uma roupagem que se põe sobre a verdade, no caso, usamos o bom português, e com moderação, viu!
Quando os portugueses se apossavam do Brasil acabava a Idade média na Europa. Por essa época mesma que puseram uma tanga nas vergonhas de Jesus crucificado. Ora, que fixação pelas vergonhas! Na verdade, os crucificados não usavam nada.
Julgando estar de posse da terra El rei de Portugal se prontificou a ratear em capitanias hereditárias, aos nobres da corte lusitana. Não deu. Então o rei criou governos gerais. E depois foi fazendo doações, como se fossem suas as terras habitadas ou não.
Os chamados ciclos de riquezas do Brasil assolaram a terra sob comando de aventureiros, grileiros e desmatadores antigos, chamados de bandeirantes, enquanto os indígenas são empurrados para o meio das matas e, ora, atualmente, suas matas são também queimadas com todo o bioma.
Tivemos o ciclo do pau brasil, da cana de açúcar, do ouro, do algodão, do café, da borracha. Situação absurda é a do petróleo brasileiro, empresa estratégica a soberania, divisas a qualquer nação do mundo. Aqui a Petrobrás, imaginem! Alguém viu primeiro, viu ou se apossou. Nos restam algum vento, quedas d’água maravilhosas, pedintes famintos, barracas na Avenida Paulista, futebol, sol, carnaval num país de Cabral…

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente e escritor, autor de crônicas, historietas, artigos e livros.

 

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