Nancy Thame
Nossa relação com o município é construída por muitas gerações que nos antecederam. É na cidade, principalmente, que esta relação se estende muito além das construções físicas.
Espaços públicos são carregados de sentido, trazem o significado de encontros e construção conjunta. Podemos classificá-los em duas categorias: livres, que são aqueles em que as pessoas podem circular livremente, e os que possuem restrições.
São exemplos de espaços públicos livres: ruas, parques, praças, jardins públicos, etc. Ou seja, são aqueles em que as pessoas têm o direito de ir e vir, sem nenhum tipo de solicitação, restrição e, na maioria das vezes, as pessoas podem entrar e sair desses locais em qualquer dia e hora. Já quanto aos espaços públicos restritos, temos como exemplo: instituições de ensino, locais onde existam equipamentos, edifícios, hospitais, centros culturais, entre outros.
O espaço público não se configura somente como espaço concreto de livre acesso, formado por objetos palpáveis. Embora a questão espacial física seja primordial, a formação do espaço público só é plena quando as dinâmicas humanas ocorrem. Logo, considerar tal espaço apenas como objeto de lazer ou circulação seria limitar o alcance dessa esfera como formadora do município e das relações que nela acontecem.
Muitas vezes o público e o privado se entrelaçam, porém o público não é de ninguém em específico, e sim do conjunto de interesses da sociedade.
Sendo assim, cabe ao poder público organizá-lo, cuidar dos espaços livres para que atendam suas funções e regulamentar os espaços com restrições, fixando as suas condições de uso.
O governo deve garantir a acessibilidade do espaço público a todos os cidadãos, sem distinções de qualquer tipo. Se há regras, é para todos.
Enquanto cenário da interação social, o espaço público responde a funções materiais (ao dar apoio físico às atividades coletivas) e funções simbólicas (permite o intercâmbio e o diálogo entre os membros da comunidade).
Parece simples, porém assistimos muitas vezes a uma inversão, algo como a privatização do espaço público, o tratamento como se o espaço público fosse a própria casa, com mais direitos que deveres. Há dificuldade em reconhecer o espaço público como sendo de todos, sendo este o local da ausência de normas, uma “Terra de Ninguém”, espaço da competição e do salve-se quem puder. O que vemos, muitas vezes, é o sentimento de posse sobre o espaço público, ao mesmo tempo sem a responsabilidade do cuidar e sem o reconhecimento para que possa ser de mais alguém.
Aqui em Piracicaba, temos instituído, desde dezembro de 2021, as novas regras para a utilização de equipamentos públicos que estão sob responsabilidade da Sema (Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento) e que foram construídos com os recursos provenientes do orçamento para a agricultura, como os barracões dos varejões municipais.
O Decreto Lei nº 18.948/2021 tem como proposta garantir o uso democrático desses espaços para a convivência e integração social, por meio de ações que favoreçam toda a comunidade, principalmente em atividades de lazer, esportes, saúde, manifestações populares, culturais e artísticas.
Para isso, a lei estabelece que esses locais, sendo públicos, poderão ser usados para ações que envolvam toda a comunidade, mas respeitando os dias e horários estabelecidos. A responsabilidade de uso também caberá somente às associações de moradores devidamente regularizadas, sendo elas, também, responsáveis pela manutenção do patrimônio durante o período da outorga, assim como pela organização do cronograma de atividades em cada local.
Precisamos resgatar a nossa relação com o nosso município para que os espaços públicos cumpram suas funções. É preciso que a cidade não seja vista somente como um local de passagem e circulação, mas principalmente, um local de encontro, onde a sociedade se encontre consigo mesma.
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Nancy Thame é secretária de Agricultura e Abastecimento (Sema).e o privado.