Impasses na profissionalização dos docentes municipais

Lilian Lacerda

 

No Brasil, devido a problemas como a defasagem escolar e má qualidade no ensino, a partir dos anos 90, passou a vigorar políticas educacionais baseadas no modelo gerencial. Como consequências das políticas neoliberais, passaram a adentrar na escola termos como individualismo e competitividade, alterando profundamente a organização burocrática das escolas e, principalmente, as relações de trabalho. A proposta aqui empreendida refere-se uma reflexão crítica acerca do que preconiza a legislação e as condições objetivas de trabalho docente. Ao realizá-lo considera-se seus efeitos nas relações de trabalho, na saúde dos professores e os impactos na qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

As implicações dessa estratégia político-gerencialista se instalou no cenário educacional brasileiro como exigência de organismos internacionais cujas consequências desembocam na descentralização e autonomia sob a égide da modernidade: trabalhos baseados em projetos, parceria com o setor privado e desconcentração administrativa. De outra parte, no campo ideológico se difundir-se ideais de metas, competências, qualidade, equidade, eficácia e eficiência. Dessa forma, em prol da “qualidade da educação”, praticas gerencialistas vão se propagando e tornado legítimas.

Atualmente no Brasil, há um arcabouço legal que orienta os estabelecimentos de ensino acerca da valorização da carreira docente, partindo da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996  (LDBEN), (BRASIL, 1996); Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), Lei nº 11.494/2007 (BRASIL, 2007); Lei nº 11.738/2008 (BRASIL, 2008); Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014); Resolução nº 2/2009 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) (BRASIL, 2009). Contudo, apesar da legislação trazer a valorização do magistério, ainda se tem municípios que demonstram descaso e indicam a falta de valorização docente como é o caso de Piracicaba.

Palco de disputas políticas, a discussão acerca do plano de cargos e carreira dos professores municipais da cidade de Piracicaba não sai do papel – há pelo menos três gestões – trazendo profundas consequências ao exercício docente. Sobrelevado de aspectos como a ausência de concursos para cargos de gestão – os gratificados e comissionados – da falta de clareza e na morosidade do processo de remoção de professores, na distorção do termo “assiduidade”, no modo como o bônus“ do Fundeb é realizado dentre outros.

O cenário atual, sobre o qual se realiza a análise da carreira docente, é produto de um processo histórico e que sem os investimentos necessários fundiu-se com políticas equivocadas que acarretaram na desvalorização docente.

As condições a qual o município de Piracicaba submete os profissionais da educação é desumana: professores laboram doentes para não serem penalizados com a perda da assiduidade e o bônus do Fundeb, não passam por formação continuada de qualidade, lidam com o elevado número de crianças graças as chamadas “GG”, enfrentam o autoritarismo e passam por assédio moral sem considerar as condições de realização do processo educativo escolar dentre outros. Como resultado, os sintomas reverberam em dimensões indenitárias e ético-políticas do sofrimento, elevados níveis de estresse e/ou adoecimento biopsíquico dos docentes.

Diante do exposto, a identidade do professor e do diretor de escola tende a ser sonegada pela falta de autonomia e de protagonismo no processo educativo o que mitiga o reconhecimento de sua atividade primaria de labor. Se o plano de carreira pressupõe a existência de posições que regulamenta as condições do trabalho docente, a ausência do mesmo representa um retrocesso imensurável somados à precarização e a proletarização das condições de trabalho produzindo efeitos significativos na identidade e no fazer docente.

A ausência de um plano de carreira nega a possibilidade de progressão na carreira o que implica aumento no vencimento-base do professor. Consequentemente, não são considerados requisitos como titulação e formação continuada.

Vale ressaltar que elementos relativos ao salário e à progressão de carreira são basilares na compreensão da constituição do exercício profissional. Entretanto, a profissionalização docente tem surgido no discurso político da atual gestão como parte da agenda de realizações, mas sem sinalizar a abertura ao debate com a categoria.

Os docentes municipais reivindicam um plano de carreira discutido e construído com a participação dos profissionais da educação com vistas a garantir avanços e melhorias nas condições de trabalho e na carreira do magistério. O desafio é averiguar se existe de espaço na agenda neoliberal do governo para a elaboração de um documento que realmente valorize o magistério, para além de políticas utilitaristas que visam o controle e à intensificação do trabalho docente.

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Lilian Lacerda, doutora pela PUC-SP, psicanalista e pesquisadora.

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