Quando pensamos em espaços públicos, devemos ir muito além do que costumamos imaginar do uso dos prédios públicos por setores da administração e/ou do funcionalismo público. A noção e os desafios para a vida contemporânea no exercício da cidadania plena pressupõem que devemos conceber os espaços públicos como patrimônios de convívio e de cidadania.
Os espaços públicos, mais do que simplesmente construções de concreto, que preenchem com vida os hiatos urbanos, estão diretamente associados à construção do que chamamos de cidade e influenciam as relações que se criam dentro delas, construindo a própria identidade e proporciona o convício entre os cidadãos e a cidade. Sem o seu uso, nem um nem outro se afirmam plenamente, nem o cidadão nem a cidade. O sentido público de uso da cidade fica capenga e a função social daquilo que é “coisa pública” fica prejudicada.
De acordo com a especialista em Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e Mestra em Geografia, Lara Caccia, “quando nos referimos às ruas e demais espaços públicos de uma cidade, em realidade, estamos falando da própria identidade da cidade. É nesses espaços que se manifestam as trocas e relações humanas, a diversidade de uso e a vocação de cada lugar, os conflitos e contradições da sociedade”.
Piracicaba é historicamente reconhecida pelas suas belezas naturais, principalmente pelo nosso importante Rio Piracicaba, mas também históricas e arquitetônicas. Sempre foi e é considerada um polo irradiador de arte, de cultura e educação. No entanto, temos registrado nos últimos anos um movimento de desvalorização dos patrimônios da cidade, como são os casos da Pinacoteca Miguel Dutra, Parque do Mirante, Museu da Água,
Observatório Astronômico, Parque da Rua do Porto, Pistas de Skate etc, que tem sofrido fortemente a omissão ou a falta de gestão séria sobre esses equipamentos.
Esses espaços públicos certamente sofrem com a falta de gestão e de investimentos por parte do poder público. Esse cenário tem piorado a condição desses espaços e o seu uso por parte da população. Cabe aqui destacarmos uma questão grave verificada atualmente, a decisão por parte do Poder Público do fechamento ou a interrupção do funcionamento e ao atendimento da população. Ainda mais grave é que o Poder Executivo muitas vezes toma essa decisão sem ter a elaboração e o planejamento do retorno e da solução para a adequada reabertura do espaço, como é o caso do Observatório Astronômico e do Parque da Rua do Porto, fechados há meses sem previsão ou plano de reabertura apresentado à sociedade. A situação de pandemia exige esforços para manter em funcionamento os espaços públicos, locais abertos à população sem gerar aglomeração e trazendo convívio e saúde mental.
Ter esses fechados, mesmo com dificuldades de manutenção e investimentos, geralmente precariza ainda mais, favorece o mau uso, o vandalismo e o afastamento do exercício da cidadania. Esses devem ser concebidos e pensados como locais de encontros e sua apropriação pode facilitar a mobilização política, estimular ações por parte dos moradores e ajudar a prevenir a criminalidade, por exemplo. Outro aspecto importante são os benefícios para a saúde, tanto física quanto mental: as pessoas sentem-se melhores e tendem a ser mais ativas em espaços atrativos, públicos e de convívio.
Quanto mais diversificados e vivos os espaços de uma cidade, menos desigual e mais rica e democrática torna-se a sociedade, daí a relação direta entre o planejamento desses espaços públicos e os valores democráticos.
É possível ir ainda mais fundo e relacionar a presença e o planejamento de espaços públicos com valores democráticos. Segundo a definição de especialistas, um bom espaço público é aquele que reflete a diversidade e estimula a convivência entre as pessoas sem esforço, que cria as condições necessárias para a permanência, que convida as pessoas a estarem e a usarem esses locais, como um ambiente aberto, gratuito, de livre acesso e democrático.
De acordo com a organização sem fins lucrativos, o Project for Public Spaces (PPS), é a vitalidade dos espaços que atrai as pessoas e faz com que elas escolham ou não os ocupar, e o que garante essa vitalidade é a possibilidade de usufruir dos espaços urbanos de diversas formas. Esta organização trabalha com O Poder dos 10: um bom espaço público precisa apresentar pelo menos dez possibilidades diferentes de coisas que as pessoas possam fazer nele – dez motivos para estar lá.
Nesse sentido, a existência de espaços públicos apropriáveis, sob uma gestão democrática e inclusiva, além de garantir a vitalidade urbana acima citada, confere o aumento da percepção de segurança e de democratização desses espaços. A questão pode ser entendida, de acordo com o estudo apresentado, como uma via de mão dupla: “as pessoas estarão na rua se sentirem segurança e a rua será um ambiente mais seguro quanto mais pessoas estiverem nela”.
De acordo com uma das maiores referências em urbanismo e direito à cidade, Janes Jacobs: “Cidade saudável é feita pelo movimento de pessoas nas ruas e espaços públicos. É apenas a ocupação, diversa e intensa que dá vida às cidades. E, mais do que isso: promove a segurança pois enquanto pedestres, criamos “olhos na rua”.” Em sua obra, Jacobs ressaltava “a importância da vitalidade urbana para se gerar cidades mais igualitárias e também seguras.”
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Mandato coletivo “A Cidade é Sua”, do Partido Verde (PV), é formado por Silvia Morales, Pablo Carajol e Jhoão Scarpa.