Gatos de rua

Camilo Quartarollo

 

Quando se fala em gatos logo se pensa naqueles postes emaranhados de fios, mas puxo o meu de outro fio sem conseguir trazê-lo pelo rabo. O tal perambulava sobre os muros e telhados da vizinhança e era um Bombaim.

Maldito gato! Escurecia e ao virar apressado a esquina o bichano me atravessa a frente do carro. Desviei o que pude, mas raspei o pneu dianteiro no meio fio. De relance pude ver aquele gato escafedendo dentro da viela próxima.

Olhei de repelão na folhinha e a data me emparedou. Era sexta-feira, e treze! Não sou supersticioso – já aviso, mas não dou sopa para o azar.

Não tenho crendices, mas aquele incidente me impactou e precisei contar para alguém solidário; mas não, a minha vizinha sorridente disse que gatos de rua são assim. Seu angorá, lindo, macio. E qual o quê? Só de olhar o bicho me atacou com um arranhão no braço. Ele está sentindo o cheiro do outro, justificou-se ela. Ora, como? Nem toquei naquele gato de rua.

Vi que os assuntos não iam agradar, porque a questão se tornou um atropelo de gato. E perguntava a velha curiosa ainda “Mas viu ele, deu tempo?” Dei uma desculpa aceitável e voltei para minha casa.

Ao fechar o portão nessa sexta treze à noite, de quebra, uma coruja espiava no galho. Meu Deus! Fiz o sinal da cruz, cochichei a mim mesmo algumas orações, na porta beijei a medalhinha de São Jorge, me persignei mais três vezes, enfiei a chave fria na fechadura, acertei o pé direito trêmulo, ufa, pisei dentro. Por fim, pude fechar a porta ao dia aziago.

Contudo, ainda não terminara, o gato me perseguira, já me aguardando no corredor. Olhava para mim com olhos de fogo de suas sete vidas. Eu balbuciava algumas orações e lembrava do braço arranhado pelo Angorá. Se o gato da minha vizinha sentira o cheiro do meu gato, por certo o gato preto ia sentir o do angorá. Apesar de encolhido de medo estiquei a mão ferida e peguei uma vassoura me esgueirando longe do gato, que não se moveu do canto. Não tinha medo de mim, que gato maldito!

Joguei água benta na casa toda e incensei o ambiente. Tomei banho, pus meu pijama de bolinhas azuis, calcei as pantufas marrons e sentei a dormitar na poltrona reclinável.

Depois de um rápido cochilo, flutuei, nem sabia onde estava mais e quando dei por mim arregalei os olhos que se cruzaram com os do gato na minha frente. Ali estava ele! Fixo a olhar nos meus olhos, em meu colo. Fiquei sem ação, mas ele lambia suavemente meu braço ferido. Retraí e ele pulou ao chão, me olhou com cara de gente e se foi. Eu corri atrás dele para afugentar de vez, bati os pés num pampampam. Ele sumiu nem sei por onde.

Agora confiante, deixei até a porta e janelas entreabertas e nunca mais vi aquele gato. Busquei na vizinhança, espiei sobre os muros, em terrenos baldios, mas nada do bichano. Ao dobrar a esquina me lembro dele. Pensando bem, nesses tempos de covid, ele poderia ficar no tapete… me senti um rato! Maldito gato! Faça como a Kaity, adote.

_____

Camilo Irineu Quartarollo, escrevente judiciário, escritor, autor do livro “Entre as perícopes”, entre outros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima