Ronaldo Almeida
Olá, amigos e amigas das religiões de Matrizes Africanas ou não, retomamos hoje os nossos pensamentos acerca do povo de Axé neste respeitável meio de comunicação piracicabano.
Para iniciar as primeiras palavras 2022 não poderia começar sem antes saudar a nossa ancestralidade, a Exú, para que ele olhe por nossos caminhos sempre, o meu motumbá, kolofe makuiu, saravá, o meu pedido de benção aos mais velhos e aos mais novos irmãos da fé em Orixá.
Nesta sexta (21), foi marcado pelo dia nacional de combate à intolerância religiosa, aliás esse termo, Intolerância Religiosa denomina a incompreensão, a falta de conhecimento e reconhecimento do respeito por uma determinada religião. As causas podemos atribuir a fatores diversos; religiosos, racistas ou simplesmente uma má vontade em ter de fato o conhecimento da informação.
No ano de 2007 sancionada pelo Presidente Lula, a Lei n.º 11.635 que faz do dia 21 de janeiro, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi escolhida em homenagem à Yalorixá baiana (mãe de Santo) Gildásia dos Santos, fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum, terreiro de Candomblé localizado nas imediações da Lagoa do Abaeté, em Salvador (BA), Mãe Gilda como era conhecida, faleceu em 21 de janeiro de 2000, vítima de infarto.
Hipertensa que era, teve um ataque cardíaco após ver a sua imagem utilizada sem autorização, em uma matéria do jornal evangélico Folha Universal, edição 39, sob o título “Macumbeiros Charlatães lesam o bolso e a vida dos clientes”. Além do texto ofensivo e de agressão às tradições de matriz africana, das quais Gildásia era representante, trazia uma foto dela, na primeira página do jornal, que motivou a criação da Lei…
A igreja foi condenada pela justiça brasileira a indenizar os herdeiros da sacerdotisa. A morte da Mãe Gilda não foi uma fatalidade nem tampouco é uma tragédia isolada; é um exemplo das brutalidades cometidas contra adeptos de religiões como umbanda e do candomblé.
A nossa Constituição Federal traz garantias de “ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”, mas, não é raro que alguns segmentos cristãos atacam frontalmente adeptos da umbanda e candomblé promovendo perseguições e destruição a lugares de cultos. Muitas das vezes pouco noticiados na grande mídia, e acabam que crimes se tornando invisíveis para a maioria da população brasileira.
Qualquer pessoa de Matriz Africana que sofra intolerância religiosa, precisa fazer a denúncia, violações contra religiões de matriz africana, comunidades quilombolas, de terreiros e ciganas podem ser feitas pelo Disque 100, serviço do governo federal para receber denúncias de violações de direitos humanos. O Disque 100, juntamente com a Ouvidoria da Igualdade Racial, são instrumentos oferecidos no combate ao racismo religioso.
O ocorrido com Mãe Gilda é um exemplo clássico de como a liberdade de crença e a liberdade de expressão podem ser antagonizadas; esse antagonismo gera uma situação em que um direito parece sobrepor-se ao outro — o que vai de encontro ao propósito essencial da Declaração de Direitos Humanos.
A liberdade religiosa é um patrimônio social da humanidade que precisa ser devidamente resguardado, isso também inclui o direito de não seguir qualquer credo, ou mesmo não ter crença na existência de nenhuma divindade. Igualmente importante, a liberdade de expressão assegura o direito de expressar livremente opiniões, ideias e pensamentos. No entanto, o grande desafio é harmonizar as duas liberdades, sem que uma cerceie a outra.
As denúncias de violação, depredação aos terreiros e solicitações de posicionamento em relação a situações de racismo religioso/intolerância, que tem causado danos e dor a diferentes comunidades e grupos tem acontecido de maneira desenfreada, em 2021, 14 anos após a instituição da data, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos(MDH) recebeu 586 denúncias de Intolerância Religiosa, um aumento de 141% em relação ao ano anterior, que teve 243 denúncias.
O estado que registrou maior número de denúncias foi o Rio de Janeiro, com 138, seguido por São Paulo, com 110. No que diz respeito ao sexo das vítimas, a maioria é constituída por mulheres, que somam 382 denuncia(65,19%). Os homens foram 130. Outras 74 vítimas não declararam o seu gênero. De acordo com o MDH, a maioria das vítimas recebe até 1 salário mínimo, indicando que a população mais pobre é a mais atingida pela violência religiosa.
Concordo muito com o que diz o grande advogado e coordenador executivo do Instituto de Defesa das Religiões Afro-Brasileiras (IDAFRO), Hédio Silva Junior, define intolerância religiosa como “o tratamento ultrajante que se manifesta por diferentes modos, seja pela palavra, através de discurso de ódio, ou por ação. É a conduta individual ou institucional que ofende um indivíduo ou grupo em razão da sua descrença ou crença religiosa”.
Importante dizer que, a prática constitui um crime, com direito legal à indenização, um ilícito civil, ou seja, a vítima pode e deve procurar uma indenização por danos materiais ou morais decorrentes da discriminação. A intolerância religiosa pode, também, constituir uma espécie de crime de racismo, punido com pena de 3 a 5 anos, imprescritível e inafiançável”.
Sabemos que toda liberdade vem acompanhada de um alto grau de responsabilidade. No paradigma do cuidado você zela pela minha liberdade de crença e de expressão, enquanto eu também zelo pelo seu direito a exercer essas liberdades. Nossa luta continuará permanente pelo direito fundamental do ser humano, por um Estado Laico verdadeiro, Pela Liberdade Religiosa de fato.
Não acredite na minha fé, apenas a respeite!
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Pai Ronaldo Almeida, Religioso de Matriz Africana