O pior inimigo

José de Paiva Netto

 

Enquanto muitos aguardam satanás na figura de um monstro terrível, ou até apontam seres humanos de destaque internacional, ou nações, como sendo a própria encarnação do demônio, o “Maligno” vai, de forma sub-reptícia, utilizando armas bem mais sutis do que o tridente. Sobre a mais cruel de todas elas nos fala Neio Lúcio, na psicografia de Francisco Cândido Xavier (1910-2002), em “O pior inimigo”*:

“Um homem, admirável pelas qualidades de trabalho e também pelas formosas virtudes do caráter, foi visto pelos inimigos da Humanidade – conhecidos pelos nomes de: ignorância, calúnia, maldade, discórdia, desânimo, preguiça e vaidade –, os quais se reuniram para tramar entre si e liquidar aquele homem, levando-o à derrota definitiva.

“O honrado trabalhador vivia feliz entre companheiros e familiares, cultivando o campo, rendendo graças ao Senhor Supremo pelas alegrias que desfrutava no contentamento de ser útil. Então, a ignorância começou a cogitar de persegui-lo, apresentando-o ao povo como um mal observador das obrigações da religião: ‘que ele se insulava, ele se fechava, cheio de ambições desmedidas para enriquecer à custa do alheio suor. Na verdade, não tinha fé, nem respeitava os bons costumes’, e outras coisas mais…

“O lavrador recebeu as notícias do adversário que operava, de longe, sorriu calmamente e falou com toda a sinceridade: ‘A ignorância está desculpada’.

“Surgiu, então, a calúnia e o denunciou às autoridades como espião: ‘Aquele homem vivia quase sozinho para melhor se comunicar com a vasta quadrilha’. O serviço policial tratou de fazer averiguações minuciosas e, ao término do inquérito vexatório, a vítima afirmou, sem ódio: ‘A calúnia, coitada, estava enganada’. E passou a trabalhar com dobrado valor moral.

“Logo depois, veio a maldade. E esta o atacou de mais perto. Principiou a ofensiva incendiando-lhe o campo. E destruiu-lhe milharais enormes, prejudicou-lhe a vinha, poluiu-lhe as fontes. Todavia, o operário incansável, reconstruindo para o futuro, respondeu, serenamente: ‘Graças a Deus que contra as sombras do mal eu tenho a luz do Bem’.

“Reconhecendo os perseguidores que haviam encontrado um homem robusto na fé, deram instruções à discórdia, que passou a assediá-lo dentro da sua própria casa. Provocações o cercaram de todos os lados. E, a breve tempo, irmãos e amigos da véspera o condenaram ao abandono. O servo vigilante desta vez sofreu muito, mas ergueu os olhos para o céu e falou: ‘Ah, meu Deus e meu Senhor, estou sozinho! Entretanto, continuarei agindo e servindo a todos em Teu nome. A discórdia está desculpada. E será por mim esquecida’.

“Mas logo a seguir chegou a vaidade e o procurou nos aposentos particulares, afirmando: ‘És um grande herói! Vencestes aflições, grandes batalhas. Serás apontado à multidão na auréola dos justos e dos santos’. Mas o trabalhador, humilde e sincero, repeliu a vaidade. E declarou, imperturbável: ‘Quem sou eu?! Sou apenas um átomo que respira. Dona Vaidade, toda a glória pertence a Deus’. A vaidade se ausentou contrariada, com grande desapontamento.

“Então, entrou a preguiça com seu jogo.

“Acariciou-lhe a fronte com mãos suaves e afiançou: ‘Meu filho, para que tanto sacrifício?! Vamos repousar?… Estás perdendo os melhores anos da tua vida! Vamos repousar…’ Contudo, vigilante, o lavrador replicou, sem hesitar: ‘Não, Dona Preguiça, meu dever é o de servir em benefício de todos até o fim da luta’.

“Afastando-se a preguiça, derrotada, compareceu o desânimo. Não atacou nem de longe nem de perto, não sentou na poltrona para conversar nem lhe cochichou coisa alguma ao ouvido. Tratou de entrar no coração do operoso lavrador. E depois de se instalar bem lá dentro começou a perguntar: ‘Esforçar-se para quê? Servir por quê? Então não vê que o mundo está repleto de colaboradores mais competentes? Que razão justifica tamanha luta? Quem o mandou nascer nesse corpo não foi o próprio Deus? Então não será melhor deixar tudo por conta Dele? O que é que está esperando? Sabe acaso o objetivo da vida? Apesar de tanto trabalho todos estão contra você!… E não se lembra de que a morte destrói tudo, hein?!’.

“O homem valoroso e forte, que tinha vencido tantas batalhas, começou a ouvir as perguntas do desânimo, deitou-se um pouco e passou cem anos sem se levantar”.

*“O pior inimigo” — Essa página, de autoria de Neio Lúcio (Espírito), está publicada no livro Alvorada Cristã.

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José de Paiva Netto, escritor, jornalista, radialista, compositor e poeta. É diretor-presidente da Legião da Boa Vontade (LBV).

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