O amigo da onça

Carlinhos Gonçalves

 

Alguns dias da semana eu passava no Largo de São Benedito para ganhar um dinheiro extra. Ali, naquele lugar, que era o mais movimentado da cidade partiam os ônibus para a zona rural.

Comerciantes de todos os tipos como os camelôs, vendedores de relógios de bolso, agulhas, roupas, sapatos e jornais eram frequentadores assíduos. Os jornaleiros e os engraxates como eu às vezes alternavam o trabalho para também fazer o papel de carregador de malas dos que chagavam para se hospedar em nossa cidade e fazer as compras do mês.

Era um tempo que ainda existiam os políticos que lutavam para os interesses da cidade e trabalhavam para o desenvolvimento dela. Tempos em que o pensamento de Confúcio como aquele que diz: “Quando um bom governo prevalece em um lugar, é vergonhoso pensar apenas no salário; quando um mau governo prevalece, é igualmente vergonhoso pensar apenas no salário”. Era época de bons governantes e maus governantes. Na cidade, existiam homens que criticavam e apontavam os erros dos políticos e as vezes as críticas chegavam até a via de fato entre tapas e pontapés, porém sempre pensando em melhorar a cidade.

Bem, essa é uma outra história para uma outra crônica. Em nosso grupo havia um menino que era a cara do amigo da onça, personagem do imortal Péricles, que foi criador do cartoon publicado na Revista O Cruzeiro. Certo dia, chegou na cidade um sitiante deTietê, terra do imortal Cornélio Pires, que conheci através de livros na biblioteca do mestre João Chiarini. O meu amigo que tinha a cara do personagem da revista era ligeiro e esperto, correu para pegar a mala e carrega-la até a pensão onde o homem iria hospedar-se por alguns dias.

Lá se foi carregando a pesada mala de papelão por vários quarteirões até a pensão onde o caipira cheio da “bufunfa” iria hospedar-se. Lá chegando, o sitiante satisfeito e espantado perguntou: quanto custou o seu serviço menino? O menino com a maior cara de pau e de amigo onça “lascou” essa: é “cincão” pô senhor. Como bom gozador que sempre caracterizou os caipiras ele olhou para o menino e disse: ôie, menino! O preço tá bom, mais, pela sua feiura que eu nunca vi igual que é mistura de “cruz credo com coisa ruim”, vou pagar “deislão”, pois essa feiura merece.

Na minha opinião, meu amigo não era feio e sim difícil de ser rascunhado. Mas ele não se fez de arrogado e “lascou” na continuidade da conversa: se o senhor conhecer meu irmão gêmeo, com certeza vai dar “trintão”, pois ele, sim, é feio que dói na “arma”. Vou mandar ele vir buscar sua mala daqui a há dois dias.

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João Carlos T. Gonçalves, Carlinhos, professor, conferencista e consultor em Marketing Institucional

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