A grande fome

Camilo Irineu Quartarollo

 

Nesse recente 2021, instalaram um touro de ouro defronte da Bolsa de Valores em São Paulo. Sob protestos, o caso do boi circulou nas redes sociais, foi pichado em praça pública, “impichado” e a empresa do empreendimento o retirou.

Para substituir o portentoso varão bovídeo veio uma vaca magra, magérrima, baixinha, defronte à Bolsa de Valores e que não põe medo nenhum.

Para quem pega três a quatro ônibus e metrô diariamente esse touro é exibição de rico, nada mais.

A vaca magra destrona o touro enorme. Alegoricamente, ocorreu nos tempos bíblicos —  vide Gênesis, que o faraó sonhara com sete vacas gordasque eram comidas por sete vacas magras! Levado o sonho a José, esse interpretou dizendo que a bonança daria lugar à fome. Uma interpretação não difícil para um bom administrador. O faraó lhe deu a administração dos silos ou tuias do Egito, onde se armazenavam o cereal. Séculos mais tarde, Roma foi pior que a praga de gafanhotos,colocando o Egito sob seus domínios, de olho nessa “commodity”, o trigo. A fome aparece também como o terceiro cavaleiro do Apocalipse. Por ironia, muitos morrem de tanto comer ou por apetites inconfessáveis, já outros, de fome e carências.

EnquantoRoma era somente uma cidade do Lácio, Josépoderia se enricarno Egito. Traficar o trigo por ouro. Desviar carroças do cereal ao seu pai Jacó, morador de uma região de fome. Conluiar-se com os irmãos ambiciosos. Mancomunar-se com as tribos estrangeiras semitas, para derrubar o faraó. José não fez nada disso, não foi desonesto nem praticou a corrupção.

No Brasil atual, a Bahia sofre com a tragédia de chuvas excessivas e enchentes podem afetar outros estados vizinhos como Minas Gerais e mesmo São Paulo. A pior tragédia, se é que podemos chamar assim, é a má gestão federal ou decisões caducas de governança – vide a vacinação de crianças contra a Covid. À fome de milhões, enchentes e descasos do Planalto seguem-se as doenças, algumas já erradicadas, mas que voltam, como sarampo e poliomielite. Isso, por falta de ações de Estado, eivado de achismos e desmonte preconceituoso do Serviço Público brasileiro. O Brasil que já vendeu muitas empresas públicas e vai vender a Petrobrás, entre as tantas “passadas ao cobre”, não tem um mísero tostão para suportar as crises de produtos desde o carvão ao café, do gás à gasolina, do diesel àescassez de alimentos num país que exporta “commodities”. Trocaram os nomes do arroz e feijãode nossas mesas para “commodity”. Aonde foi ou vai tanto dinheiro?!

O governo se mantém com ilusionismos como: “se aprovarmos as Reformas da previdência e trabalhista o Brasil decola”, “precisamos aprovar medidas impopulares”, “até faxineira quer andar de avião!”, “pra que INSS, dá um vaucher”, “temos de privatizar tudo”, “compra fuzil, não carne”, “covid é uma gripezinha”.

Ah, se José fosse o administrador!

Senhor, dá-nos hoje o pão diário, ministros como José do Egito e livra-nos de Caifás.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor, autor de Entre as perícopes, entre outros

 

 

 

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