Saudação aos sobreviventes

Cecílio Elias Netto

 

Saudemo-nos uns aos outros. Pois sobrevivemos ao doloroso 2021. Fiquemos, porém, atentos: o mar continua revolto e a nau não tem comandante. Já nos foi ensinado: “Vigiai e orai”. Portanto, há que estarmos alerta, acautelarmo-nos com 2022, arregaçar as mangas. E orar, sim. Orar muito, mas sem esperar que Deus resolva o que é de nossa responsabilidade. Ora, essa mania de nunca dar sossego para o bom Deus. Ele já fez, criou tudo e tem o direito de descansar nesse seu sétimo dia. Estamos no oitavo e atores e criadores somos nós mesmos. Afinal de contas, Deus não vota em eleições. Por isso, já nos foi dito: “Quem pariu Mateus que o embale.” Ai de mim, que não pari Mateus e nem Jair, mas tenho que embalar quem foi inventado e parido por descuido…

Sobrevivemos. Mas quanta dor, quanto sofrimento, quanto luto machucando e fazendo chorar milhões de famílias! E, no entanto, dor é, talvez, a mais contundente prova de vida. Ela arde no corpo e arde na alma. Leva-nos à perplexidade e, muitas vezes, ao desespero. Sempre, porém, nos envia o recado: “Vocês estão vivos!”

Na dor de cada um, pulsam as mais díspares emoções. De repente, parecem ter desaparecido a alegria, a vontade, a paz. Mas, quando a dor se mostra insuportável, eis, então, que nasce a esperança. Pois, entre lágrimas e gritos e perdas, algo, no mais fundo de nós, reage e busca o tesouro ameaçado, na ressurreição do desesperado. “Eu quero viver.” Assim, até o último suspiro.

A Vida é maior do que nós mesmos. Maior do que a decepção, do que a tristeza. Maior do que a saudade que nos estraçalha por dentro. A Vida é maior do que o vazio e o sentimento da solidão. A Vida é dom, presente, privilégio. E faz apenas uma só exigência: que sejamos dignos dela. Por que duvidar tenha sido, 2021, um alerta, para o redespertar? Mas, assim foi. E 2022 é outra oportunidade para reencontrarmos pedaços da dignidade esquecida, a consciência de estarmos, sim, no mesmo barco.

Somos sobreviventes de um período avassalador. As ameaças, porém, ainda existem, as águas continuam turbulentas e não há comandante. A dor tão vivida é parte desse mistério humanodito emoção. Quantos estudos,pesquisas científicas, filosóficas para podermos teruma simples noção da importância das emoções! Elas não são fracasso da vontade humana. São pilares. Alegria e tristeza alternam-se, em cada um, diariamente, como cenas de um mesmo drama. A dor faz sofrer mas desperta. Eis a lição imortal de Kant: “É na dor que sentimos a vida. Sem dor, cessaria a vida.”

Sobrevivemos, pois. É hora de agradecer e cada sobrevivente saberá a quem, a quê, por quê. Que as lágrimas derramadas em 2021 reguem as nossas esperanças para este recém chegado 2022. Em todo o Brasil tão ferido, as populações fazem viver um dos segredos da consciência e das emoções humanas: a solidariedade. A dor de todos instigou à bondade solidária. Não estamos sós.

Olhar para o alto e para o derredor, vencendo o que nos atingiu de baixo e por trás – eis, talvez, uma inspiração para iniciar a busca da sabedoria de viver. Para mim, fazê-lo fortalece-me há muitos anos. Olho para o alto e vejo estrelas e luares, ora Sol, ora Lua; vejo nuvens, limpidez de céu azul.  No alto, no inimaginável infinito, estão dois septilhões de estrelas: 2.000.000.000.000.000.000.000.000! Como sequer imaginar tanto esplendor?  E, então, olho para os lados e lembro-me de ser apenas um dos quase oito biliões de humanos espalhados pela Terra: 8.000.000.000. Eu, grãozinho de areia.

Sobrevivemos. E não estamos sozinhos.

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Cecílio Elias Netto, escritor, jornalista, decano da imprensa piracicabana ([email protected])

 

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