A história deve-nos ensinar alguma coisa

Max Pavanello

 

Essa semana tivemos uma notícia que chocou a população piracicabana, o aumento das passagens de ônibus que passarão dos atuais R$4,80 para R$5,60. Um aumento de R$0,80, que representa 16,67%.

A história recente do país deveria nos ensinar algumas coisas, principalmente aos gestores públicos.

Em 2013, as passagens de ônibus aumentaram (na cidade de São Paulo) de R$3,00 para R$3,20, e isso acabou gerando uma série de protestos e reivindicações na capital paulista, que se espalharam por todo o país.

Alguns cientistas políticos consideram junho de 2013 o mês que não acabou, pois o que inicialmente era um protesto contra o aumento de R$0,20 nas tarifas de ônibus, acabou por eclodir uma série de reivindicações que têm reflexo até os dias de hoje.

Manifestações análogas foram realizadas antes, em algumas outras cidades e estados, mas, obviamente, manifestações na capital paulista têm muito mais força e capacidade de mobilização, por isso, ficou marcada como o epicentro da convulsão social.

Hoje temos uma compreensão melhor daqueles acontecimentos, vemos que o movimento era muito mais contra a classe política, corrupção e problemas sistemáticos na educação e na saúde. Várias eram as faixas nas manifestações que se seguiram com a inscrição “não é pelos 20 centavos”.

O clima de insatisfação com a classe política não mudou, a aversão ao sistema de corrupção também não mudou, a insatisfação com o sistema de educação e de saúde, também não mudou. Talvez, o que se tenha mudado é a resignação.

Boa parte dos brasileiros se resignaram, acreditando que o sistema é esse e não pode ser mudado. Verdade que tem alguns que, mais do que resignados, parecem estar cegos e acham que o atual (des)governo federal acabou com a corrupção. Mas, quanto a essa meia dúzia, talvez caiba a nós a resignação, pois convencer a ver quem não quer ver é tarefa inglória.

Mas, o aumento anunciado nesta semana, e mais, a forma com que foi anunciado, fazendo-se brincadeira com algo tão sério, que mexe no bolso de tanta gente, fez reacender a brasa de 2013, que ainda não apagou.

O movimento Pula Catraca já anunciou manifestação para o próximo dia 05/01, às 16h, que será realizado na frente do Terminal Central de Integração, e está convocando a população, para essa frente de batalha.

 

MÉRITOS DO PREFEITO

Antes de adentrarmos na questão do aumento propriamente dito, deixamos registrado que vemos méritos na administração. Criticamos o que deve ser criticado e elogiamos o que deve ser elogiado.

Exemplo de mérito que enxergamos é a austeridade, principalmente nos esforços de se economizar com aluguéis. O Senhor Prefeito tem mostrado que dá para obter a mesma eficiência gastando menos com aluguéis de prédios e com a ocupação de aparelhos públicos que estavam obsoletos. Deixar de gastar com aluguéis caríssimos, alocando Secretarias no Engenho Central, por exemplo, é uma medida que aplaudimos.

O impacto inicial com a notícia do fechamento do albergue noturno foi ruim, mas depois de revelados números e que o mesmo serviço seria oferecido, com eficiência similar, na Casa de Passagem, porém, com economia para os cofres públicos, não conseguimos discordar. É algo positivo.

 

GESTOR PÚBLICO DEVE FALAR COM O POVO

Ainda antes de adentrarmos ao aumento, o grande gestor público é aquele que consegue transmitir segurança e confiança para o povo.

Neste primeiro ano de mandato, assistimos a uma série de desencontros, que vão desde a forma como se divulgou a transferência das obras da Pinacoteca até a última, o aumento das tarifas de ônibus.

A política é a arte do diálogo, a arte de se convencer as massas pelas ideias, arte dominada com maestria por João Goulart, nosso querido Jango, que era um especialista em mobilizar e dialogar com as massas.

O Senhor Prefeito, recentemente, fez uma apresentação esplendorosa no Teatro Losso Netto. Fez prestação de contas do primeiro ano de mandato, apresentou o Orçamento de 2022, e os projetos futuros. Mas, a apresentação foi assistida apenas por Secretários e pessoas ligadas ao governo, e o povo?

Para o povo chegou apenas uma informação certamente distorcida de que metade do orçamento não foi aplicado, que restou em caixa cerca de 1 bilhão, passando a sensação errônea de ausência de projetos, que quem assistiu à apresentação no Teatro Losso Netto viu não ser verdade.

Além da comunicação com as massas, João Goulart tinha uma outra habilidade, e que deve ser aplicada nos dias de hoje. Jango foi vice-presidente de Juscelino Kubitschek e de Jânio Quadros (à época presidente e vice eram eleitos isoladamente) mostrando que sabia dialogar com oposições.

O momento é de união. A polarização política posta em nível nacional precisa ser arrefecida, e uma boa forma é o prefeito manter diálogo com vereadores, partidos, mesmo que não seja da base governista, é dialogar com a sociedade, mostrando com transparência números e informações.

 

O AUMENTO EM NÚMEROS

Não temos acesso aos números do contrato do transporte público, por isso, nossa análise é com base na economia e no peso do aumento para a força motriz da sociedade, o trabalhador.

Aliás, sobre números do contrato, o que se tem é uma série de informações oficiosas, que dariam conta de problemas vindos especialmente de gestões anteriores, que justificariam uma apuração pelos agentes fiscalizadores do executivo.

O que temos. A tarifa de ônibus passará de R$4,80 para R$5,60, ou seja, um aumento de 16,67%, rememorando, em 2013 o aumento foi de cerca de 6%, ou seja, atualmente o aumento é bem maior.

A inflação acumulada nos últimos 12 meses é de 10,42%, ao passo que em 2013, o acumulado dos últimos 12 meses em 2013 era de 5,91%. Ou seja, nos últimos 12 meses tivemos uma perda do poder de compra de nossos salários que é quase o dobro da perda em 2013.

O aumento do salário-mínimo, que vigerá a partir de janeiro de 2022 é de 10%, passando de R$1.100,00 para R$1.210,00, ou seja, sequer recompõe a inflação (10,42%). Enquanto a passagem aumenta 16,67%, ou seja, 6% maior que o aumento do salário-mínimo.

Você que gasta R$211,20 (22 dias com passagens de ida e volta) por mês, passará a gastar R$246,40, ou seja, R$35,20 a mais por mês (mais ou menos de 2 a 3 kg de frango).

Comparando com 2013, os números atuais são maiores e mais graves, e justificam o clamor popular, que podem levar a grandes manifestações e protestos.

 

O MOMENTO

O Brasil passa por grave crise econômica, que é agravada pela pandemia da COVID-19.

A dupla Bolsonaro/Guedes, além da política neoliberal que devasta a economia, foram também incompetentes e não souberam lidar com a pandemia. Resultado, somos o país do G20 com os piores índices econômicos do pós-pandemia.

O trabalhador sofreu e vem sofrendo com diminuição de sua renda. Com aumento de energia elétrica, combustíveis, carne, etc. Como escrevemos recentemente, 27% dos brasileiros comeram menos ou passaram fome em 2021.

Temos cerca de 15 milhões de desempregados, que inclusive usam o transporte público para distribuir currículos, portanto, passarão por mais necessidades ainda.

Enfim, o cenário é dos piores, é inaceitável que novamente quem “pague o pato” sejam os trabalhadores. E, nós como defensores do trabalhismo ficaremos sempre ao lado dos trabalhadores.

 

JUSTIFICATIVA

O argumento de que tudo subiu e, por isso, o transporte público também deve subir não é aceitável. Da mesma forma que não é admissível dizer que o aumento poderia ser pior, pois as tarifas estão congeladas há 2 anos. Tais argumentos ficam piores, quando usados de maneira jocosa.

Os funcionários públicos municipais estão sem aumento ou recomposição salarial há 2 anos. Serão tratados com a mesma benevolência na próxima data-base? Terão recomposição salarial e aumento com base no acumulado dos últimos 2 anos?

Aliás, a diminuição da renda do trabalhador, somada à baixa qualidade dos ônibus que circulam na cidade, justificaria exatamente o contrário, até uma diminuição da tarifa.

É de se lembrar, a empresa Trans Acreana – TUPi que assumiu o transporte público de Piracicaba, em caráter emergencial, colocou ônibus mais velhos e ultrapassados em circulação. Sem acessibilidade. Sem ares-condicionados. Veículos com maior emissão de poluentes. Várias linhas foram descontinuadas, por isso, vários bairros e comunidades estão desbastecidas, o que, inclusive, acabam por acarretar superlotação.

Portanto, qualquer aumento, por mínimo que fosse, deveria ter como condicionante uma melhoria significativa e prévia da frota. Primeiro deve se pensar em melhorar a qualidade, para somente depois se aumentar o preço.

Estaremos sempre dispostos a colaborar e a dialogar para o bem de Piracicaba e dos usuários do transporte público. Mas 16,67% de aumento, neste momento, nas condições atuais, sem um diálogo prévio com a sociedade e sem prévia justificativa, é impraticável.

Provavelmente, são estas as posturas que levarão à população a aderir à manifestação chamada pelo Pula Catrata, que ocorrerá em 05/01/2022, a partir das 16 horas, na frente do Terminal Central de Integração.

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Max Pavanello, advogado, vice-presidente do PDT de Piracicaba

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