Fantasmas de Natal

Camilo Irineu Quartarollo

 

Então, é natal. Ora, muitas águas se passaram nesses escorrediços anos de pandemia, e o que você fez? Então passou? Não sei, mas o ano termina e a Simone canta outra vez. Agradeço aos que me leram, mesmo que não todos os textos e deixaram de lado algum enfadonho. Leitor tem seus direitos.

Fiquei confinado na minha bolha anticovid, ouvindo cantos, choros e os dias pingando, mas relembro da obra Os três espíritos do natal, de Charles Dickens. Virou filme, desenho animado e esse autor do século XIX ainda é insuperável, duvido que não passe sua obra em algum canal de tevê este ano ainda.

Na época do pobre escritor Dickens a Inglaterra estava em plena revolução industrial com os teares e o velho Scrooge, que talvez tenha inspirado a criação do Nonô Correa das novelas brasileiras. Um empresário rico e pão-duro, que não dividia nada com ninguém. Isso o leva a uma dimensão de negação própria e grande infelicidade.

A solidão é tão mais triste quando se sabe causa da infelicidade alheia. Scrooge sente os espíritos de natal, as lições solitárias de um velho avarento. O autor se mantém na seara da literatura de ficção. Põe as questões humanas sobre as de ordem material. É mestre do suspense literário, a meu ver.

Charles Dickens trabalha pelo viés humanista as questões sociais e da exploração gritante da Revolução Industrial inglesa. Dickens trabalhou em uma fábrica desde os doze anos. Descrevia-se ironicamente como “uma criança pequena e não muito mimada”. É notório casos de trabalho infantil, de crianças oriundas dos orfanatos para fábricas insalubres, propícias a acidentes, assédios e mortes de meninos e meninas. Os mendigos surgem nas beiras dos rios, seres humanos vivem como ratos, tentam viver com humanidade entre seus fantasmas. Há grupos e bolsões de famélicos nos subúrbios, que apavoram as ruas centrais de Londres, cuja polícia com seus apitos estridentes dela se ocupam.

O que são fantasmas? São momentos dos quais não podemos viver nem como príncipe nem como mendigo, há uma obra em que Charles troca o lugar social de duas crianças, O príncipe e o mendigo. O príncipe é jogado ao mundo. Quem é o príncipe? Até mesmo nós, fugindo ao mundo real em nossa bolha palaciana. Fugindo das agruras e, nem queremos saber das injustiças que passam na tevê, pois na verdade é nosso mundo selvagem mantendo o palácio fictício.

Dikens escreve também Oliver Twist, David Copperfield, entre outros. Seu drama de vida se entrelaça com a da grande massa inglesa pobre num país que se tornou o mais rico do mundo, para os ricos, claro.

De tudo, Charles Dickens não esquece do Natal, da crítica insopitável e do testemunho dos que viveram e viram a revolução desumana da Inglaterra vicejar para o bem de alguns em detrimento de milhões. O autor criou um hospital infantil, nunca pegou em armas, porém tinha uma caneta bem prodigiosa.

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Camilo Irineu Quartarollo, escrevente, escritor independente, autor de a Ressurreição de Abayomi, entre outros

 

 

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