Contribuições da Psicanálise à Educação Infantil

Lilian Lacerda

 

A conjunção psicanálise e educação data da década 1920 quando o otimismo que assolou o movimento psicanalítico aspirando uma educação emancipadora e esclarecida, de acordo com os ideais iluministas. Todavia, Freud não se ocupou da educação deixando tal tarefa a sua filha Anna Freud.

A partir da segunda guerra houve um esfriamento no otimismo que pairava no seio
da psicanálise o que resultou na expansão e difusão da teoria psicanalítica e seus conceitos passaram a ser disseminados como saber. Neste contexto, psicanálise e
educação passa por uma onda de “psicologização” do processo de ensino-aprendizagem, atribuindo os problemas referentes a aprendizagem as dificuldades emocionais  ao sujeito que não aprende ou a família do mesmo.

A partir da década de 1980, surgem novas teorias interlocuções entre a psicanalise e a educação, cuja analise centra-se na complexidade das práticas educativas
considerando o sujeito de forma integral: sociais, cultural, emocional e econômico.

Assim, ao refletir acerca arcabouços teóricos desenvolvidos psicanalise e sua interlocução com a educação, evidencia-se o olhar psicanalítico sobre as que desvela o papel das práticas educativas desempenhado na constituição e no protagonismo do sujeito.

Cabe dizer ao se referenciar a psicanálise a abordagem se limitará aos
conceitos freudianos e lacanianos, muito contribuíram para a psicanálise e, apesar da psicanálise não se limitar a esses dois autores.

Em linhas gerais, a realidade objetiva acaba por modelar e determinar o sujeito Diferentes conjugações dessas múltiplas determinações compõem cada sujeito. Ele, porém, só terá condições de aceder a esse estatuto se conseguir traçar uma diferença produtiva e interessante naqueles efeitos que herdou.

Atualmente, a psicanalise contribui efetivamente com o campo pedagógico ao trazer a luz as relações do sujeito com o conhecimento. Após décadas de protagonismo do professor como aquele que detém o conhecimento e as estratégias de ensino, por fim, nos últimos anos, tem-se como fruto de debates e discussões o reconhecimento na legislação da criança como sujeito de direitos, colocando-a como protagonista no processo de ensino-aprendizagem.

A partir dessa perspectiva de sujeito da aprendizagem as propostas
pedagógicaspassam a superam os moldes conservadores e assumem características progressistas cuja a ênfase encontra-se baseada numa aprendizagem significativa, como é o caso da “pedagogia da escuta .

A pedagogia da escuta tem origem italiana com o pedagogo Loris Malaguzzi com uma proposta que valoriza o que a criança sabe, suas vivencias, sua forma de comunicação para então, construir um projeto pedagógico capaz de promover o desenvolvimento integral das crianças: racional e emocional.

Neste contexto,a linguagem tem função basal na constituição da subjetividade da criança. O professor documenta o processo de ensino e de aprendizagem por meio de observação, de uma escuta ativa e de um olhar sensível ás questões relevantes as crianças.

Ademais, a pedagogia com orientação psicanalítica nos aponta tendências que vão na direção de um aprendizado mais livre, que valoriza o conhecimento e os centros de interesses da criança enquanto sujeito singular e sua relação com o desejo de aprender.

De um lado, pelo enunciado, ele pensa, elabora, racionaliza, expressa suas emoções. Por outro lado, pela enunciação, ele recalca e deseja.Esse é, portanto, o sujeito do conhecimento que busca revelar o objeto e que o desejo revela o eu, na ordem de uma ausência/falta. Essa ausência ou falta não tem origem nos métodos pedagógicos. Todavia pode ser atribuída à psicanálise, pois seu objeto é o inconsciente e, este ladeia as tentativas de dominação, de controle do sujeito.

Em resposta aos estímulos, aos objetos, aos tempos e espaços ofertados pela escola a esse sujeito protagonista da sua aprendizagem tem-se na criança a necessidade de aprender, de experienciar. E para que isso ocorra o professor deve proporcionar espaços e objetos para que a criança seja imersa num mundo de sentidos, mediada por uma teia de significantese movida pelo desejo.

Assim, quando a criança tem experiência de modo livre, criativo, espontâneo, ela o faz por meio de uma torção, um câmbiomental em que toma para si a aprendizagem como existência no mundo da linguagem e assume uma posição que transpõe a demanda do outro para a demanda de desejo.

Essa abordagem do processo educativo, em que o professor impõe uma demanda de alteridade a criança que lhe possibilitauma outra relação com ogrande Outro, que em Lacan (1960/1998) assume o “lugar do significante”, que confereao sujeito umaforma de pensar e de resposta às demandas, já que o inconsciente é estruturado como linguagem. Ademais, por meio da linguagem que o simbólico se organiza.

Para Lacan (1960/1998, p. 833), “um significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante” e essa definição aponta para as demandas da criança, a necessidade e de sua relação com a falta.

Esse movimento de substituição da falta por algo que lhe traga um novo sentido trata-se da presença na ausência de um significante da falta.

A partir possibilidade de novas significações à existência, a criança irá em busca de novos conhecimentos. Ao levarconsigo seus saberes estes serem colocados à disposição do desejo, estarão a serviço da aquisição de novos conhecimentos.

Neste sentido, o professor deve ser capaz de mediar o conhecimento por meio de experiências que privilegiem a criatividade, a espontaneidade e a afetividade. A educação infantil é pautada por documentos que preconizam o brincar e as interações das crianças. O grande desafio encontra-se na conjunção das interações e dos espaços/objetos proporcionados no cotidiano escolar.

O processo de aprendizagem infantil revela complexidade e intensidade de um universo permeado de simbolismo e que é expresso  pormovimentos, falas, traços e cores, criando um rede de significantesexpressos pela linguagem. A partir de então, a criança em sua subjetividade irá demonstrar o desejo de aprender.

Diante do exposto, entendemos que o objetivo de uma educação orientada pela psicanalise tem o compromisso de ofertar alternativas de interfaces de diálogos epistêmicos entre ambos campos de conhecimento, a partir da noção de sujeito desejantemediado pela linguagem.

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Lilian Lacerda, doutora pela PUC-SP, professora, psicanalista e pesquisadora

 

 

 

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