Precisamos pregar mais botões

Alessandra Cerri

 

Esses dias minha filha adolescente me pediu para pregar um botão de uma calça que ela gosta e usa muito. Enquanto estava costurando fiquei, literalmente, pensando com meus botões sobre várias coisas. Aliás, esse é um dos benefícios de atividades manuais: estimular nossa concentração e nossas reflexões.

Mas voltando aos meus pensamentos… os mais antigos contam que na “época deles” se aprendia corte e costura na escola e, hoje a maioria de nossos adolescentes não faz ideia de como costurar uma roupa o que me gerou algumas considerações.

O fato de não saber costurar, embora pareça irrelevante, pode ser associado com algumas questões características de nossa sociedade atual e suas “fraquezas”. Por não serem incentivados em atividades manuais e por serem altamente conectados ao mundo digital nossos jovens tem problemas sérios de concentração e adiamento de recompensas, são muito mais vulneráveis emocionalmente uma vez que perdem a noção da realidade e encontram mais dificuldades em lidar com frustações e espera.

Outra questão ligada ao fato de “não saber costurar” implica também numa maior dificuldade em recuperar roupas e isso é transferido para outros itens o que está relacionado diretamente a esse consumismo desenfreado que estamos vivendo, resultando no descarte e na substituição constante e excessiva, sem cogitar-se sobre a reutilização ou a reforma dos mesmos.

O grande problema, além do ambiental (sim, porque o consumismo impacta diretamente no ambiente) é que o costume de descartar muitas vezes é reproduzido em nossas relações onde pessoas são substituídas e relações são rompidas instintivamente em função da intolerância, consequência da nossa busca incansável e crença cega na perfeição encontrada no “novo”.

Não estou dizendo aqui que precisamos ensinar corte e costura, embora não veja nenhum aspecto ruim nisso, mas apenas refletindo sobre a necessidade de estimularmos nossa interiorização, o que nos ajudaria a pensar na real necessidade das coisas, na beleza existente por trás da imperfeição e na importância da valorização e resgate de relações, objetos e de nós mesmos.

Nossa atualidade exige, urgentemente, que saibamos utilizar os “5R” (repensar, recusar, reduzir, reutilizar e reciclar) em todas as esferas de nossa vida. Recusar os imediatismos e impulsos que nos impedem de reduzir o consumismo e o descarte de coisas, pessoas e relacionamentos. Repensar a utilização do nosso tempo gasto em superficialidades e em coisas que nos afastam da realidade e de nós mesmos. E reciclar constantemente nossas tomadas de consciência e reflexão.

Enfim, que os “5R” façam parte de nossas vidas de uma maneira mais consciente e significativa e que reavaliemos a importância e o valor das pessoas, coisas, relacionamentos e memórias que mesmo não sendo novos e perfeitos fazem parte de nossa história.

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Alessandra Cerri, sócia-diretora do Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba (Clap); mestre em Educação Física, pós-graduada em Neurociência e pós-graduada em Psicossomática

 

 

 

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