Acordar enquanto é tempo

José Renato Nalini

 

Embora não faltem os que considerem o conceito ESG um mito, parece que ele veio para ficar. Até porque, não há alternativa ao enfrentamento das mudanças climáticas resultantes do aquecimento global. O interessante é que aumentam os consumidores que não hesitarão em boicotar marcas insustentáveis, investidores que não aplicarão recursos para práticas nocivas ao meio ambiente, ao social e à governança corporativa. Além de Fundos que só administrarão investimentos verdes e socialmente sustentáveis.

Verdade que as más notícias parecem superar as boas. Por exemplo: os países ricos são os que mais se preocupam com o desafio climático. Há estudos, pesquisas e, é evidente, precaução maior por parte de quem possui melhores condições de se defender das inevitáveis catástrofes. Justamente os mais pobres – países e pessoas – são os que deixam de conceder ao tema a importância devida. Compreende-se que a fome não é o melhor incentivo para elucubrações teóricas.

Assim, a desigualdade na literatura científica sobre a emergência climática replica o quadro geral da distância entre ricos e pobres. Os ricos sabem que enfrentarão ondas migratórias dos que fogem da seca, das inundações, das condições desfavoráveis, que põem em risco a sobrevivência dos mais carentes.

Há poderosos que já adquiriram consciência da gravidade do quadro. Sabem que será necessário destinar dinheiro para financiar estruturas de sustentação dos abandonados da sorte. Se isso não acontecer, as consequências serão sentidas por todos: incluídos e excluídos.

Infelizmente, ainda não se chegou ao ponto necessário que seria a adoção de uma política global de imediata redução das emissões. Os que poderiam liderá-la tergiversam, disfarçam, continuam a dizer que as consequências tardarão. O que não é verdade. Elas já estão aí.

Seria melhor agir por enquanto, assim como se faz diante de uma cirurgia que pode ser eletiva, causadora de menos riscos, do que de urgência, quando uma septicemia pode mostrar o resultado da inércia ou do comodismo.

No Brasil, a política de “soltar a boiada” rumo à terra arrasada prossegue. O Senado aprovou em votação simbólica, projeto que altera o texto daquilo que se convencionou chamar “Código Florestal”, mas que não se utiliza, uma vez sequer, dessa expressão: “Código Florestal”. Considerar esse texto recepcionado por uma Constituição que ostenta o artigo 225, o dispositivo considerado o mais belo de uma ordem fundante no século XX, é algo que assustaria, não estivéssemos acostumados com a insânia como política.

Mas o texto aprovado autoriza os municípios a definirem a dimensão da área a ser protegida ao redor dos rios. É algo como “deixar o galinheiro sob os cuidados da raposa”. A criação exagerada de municípios depois da Constituição de 1988 mostrou que nem sempre se acerta ao escolher chefes de executivo sem compromisso com o ambiente.

Até o momento, as faixas marginais são consideradas áreas de preservação permanente e variam de 30 a 500 metros, conforme a largura dos cursos d’água. O STJ já definiu que tal regramento vale tanto para o meio rural quanto para o urbano.

Deixar para o município a decisão de quanto preservar em torno aos rios, córregos e outros cursos d’água é submeter o ambiente a um risco potencial de comprometimento. Como ocorre costumeiramente, a intenção é anistiar aqueles empreendimentos que deixaram de observar a legislação ambiental. Mais uma vez, vence a teoria do “fato consumado”. Já que estragou, vamos legalizar.

Poucas as vozes sensatas que se ergueram contra essa nefasta alteração. O Observatório do Código Florestal considera grave ameaça ao que resta de florestas, pois permite novos desmatamentos em APPs, Áreas de Preservação Permanente, antes intocáveis.

Confiar no STF, que julgou recepcionada pela nossa Constituição Ecológica o apelidado Código Florestal, é insuficiente para a tutela do patrimônio natural brasileiro. Acelerada e cruelmente maltratado e tendente à completa extinção.

Aqui devem ser chamadas as organizações não governamentais, os membros do Ministério Público ainda conscientes de seu papel de guardião do interesse difuso e coletivo e, no caso, até em defesa das futuras gerações. Explicitadas no artigo 225 da Carta Cidadã, mas constantemente desrespeitadas na política de extermínio do patrimônio ambiental.

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José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove, presidente da Academia Paulista de Letras (APL); foi presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

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