O pior cego

Nilson da Silva Júnior

 

“O pior cego é aquele que não quer ver” – A frase atribuída ao pensador Heloá Marques faz refletir muito além de qualquer limitação visual que alguém possa ter, antes, mira de maneira objetiva quem, por opção, prefere se omitir, negar, esconder e desconsiderar alguma situação. É claro que algumas cenas infelizes cercam a vida de todos nós. Um acidente, uma tragédia, dores que afetam indistintamente qualquer pessoa. Mas existem as que agridem, questionam, provocam de forma contundente nossa consciência, sensibilidade e humanidade. O olhar de uma criança faminta na janela do carro numa esquina qualquer, a mão estendida da mãe que esmola com o filho nos braços, o homem que empunha uma placa pedindo emprego no semáforo. Outro dia soube por um grupo de rede social que alguém se oferecia para fazer faxinas nas casas em troca de uma caixa de leite, dessas com doze litros. Alegava que não tinha dinheiro para comprar para os filhos e se propunha a trabalhar a jornada de um dia limpando a casa de quem se propusesse a pagar com leite.

Mesmo diante de cenas assim existem cegos que não querem ver. Não são deficientes visuais, são deficientes de empatia, de compaixão e até de humanidade. Alguns se dizem cristãos, gente de bem, são pessoas bem empregadas, estabilizadas na vida que cortam volta, “dão de ombro”, ou pior, trazem como resposta para o caos social que é evidente, “pérolas” como “a vida é dura para quem é mole”, desconsiderando todo o contexto social e político que privilegia de muitas maneiras a camada rica da sociedade em detrimento da pobre. Uma falsa moralidade que decora o rosto e a ética dessa gente para esconder a maldade e a rudeza de coração que trazem consigo.

O pior cego é aquele que olha para as necessidades sociais expostas em noticiários, jornais, redes sociais, grupos de conversa e faz que não vê. Muda o canal e culpa jornalistas dizendo que são comprados por quem é politicamente contrário ao governo, acha toda sorte de argumentos ridículos para responsabilizar as próprias vítimas pelo sofrimento.  Usa a mesma lógica de acusar a mulher bonita pelo estupro que ela mesma sofreu. É uma gente tosca de alma e de consciência que joga a inteligência no lixo toda vez que é confrontada pela realidade nua e crua da vida visível e palpável.

O pior cego é o que se nega enxergar que existem bilhões em verbas públicas para resolver os problemas da sociedade,mas que servem de barganha para sustentar governos corruptos carentes de apoio político no Congresso Nacional. O pior cego é o que se recusa a ouvir a desumanidade das palavras que afrontam a dignidade e a consciência das pessoas em discursos públicos. O pior cego é o que não lê o que realmente está escrito por vergonha de ter que aceitar o óbvio, preferindo distorcer o texto, deturpar a mentalidade crítica, ignorar a lucidez e interpretar conforme seu próprio interesse. O pior cego é o que não grita em favor do carente, do que é enganado, do que é roubado pelas trapaças noturnas de deputados e senadores famintos por dinheiro e poder. O pior cego é aquele que não faz nada diante do outro,  só pensa em si mesmo,  só chora por sua própria dor, o que tem olhos, ouvidos e mãos somente para o que lhe convém e lhe serve. O pior cego é o que ignora a justiça da vida terrena e eterna, a qual não se escreve nas constituições, nem nos planos de governo, mas na Palavra da Vida, onde se lê: “Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o diabo e os seus anjos. Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram’. “Eles também responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou necessitado de roupas ou enfermo ou preso, e não te ajudamos? ’ “Ele responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo’. “E estes irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna”. (Mateus 25:41-46).

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Prof. Dr. Rev. Nilson da Silva Júnior, pastor, professor; [email protected]

 

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