Princesa Isabel: infância, formação, casamento e vida política

Armando Alexandre dos Santos

 

No dia 19 do corrente mês de novembro de 2021, completaram-se 100 anos do falecimento da Princesa Isabel, filha e herdeira do Imperador D. Pedro II. Ela não chegou a reinar, mas foi três vezes Regente do Império e exerceu de fato a chefia de Estado durante três anos e meio – quase o mandato regular de um presidente da República atual. Foi a primeira mulher a efetivamente exercer essas funções em todas as três Américas.

Cuidadosamente educada para o papel histórico que lhe estava destinado, dotada de forte personalidade e com uma visão muito além de seu tempo, soube vencer preconceitos e se impor à classe política do Império. Influenciou a fundo os debates políticos em torno das duas leis mais importantes da Campanha Abolicionista – a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei Áurea (1888) – vencendo em ambos os casos a poderosa corrente escravagista e assinando por fim as duas leis. Sua atuação redentora, entretanto, ficou inacabada, porque não conseguiu realizar o projeto que seria a grande obra de um Terceiro Reinado: a inclusão dos antigos escravos e seus descendentes, de forma justa e condigna, na economia e na vida social do País.

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No dia 29 de julho de 1846 nasceu, no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, a Princesa Isabel, segunda filha do Imperador D. Pedro II e da Imperatriz D. Teresa Cristina. Faleceram, ainda meninos, seus irmãos D. Afonso e D. Pedro, que pela Constituição do Império estavam à frente dela na linha de sucessão à Coroa. Coube a ela, então, nos termos da mesma Constituição, tornar-se Princesa Imperial do Brasil e sucessora imediata de seu pai. Foi reconhecida como tal pela Assembleia Geral do Império, no dia 10 de agosto de 1850 e, 10 anos depois, na data em que completava 14 anos, prestou solenemente juramento à Constituição diante da Assembleia Geral.

Destinada a ocupar um trono, recebeu educação à altura, juntamente com sua irmã mais jovem, D. Leopoldina (1847-1871). Sua formação não se limitou à que naquele tempo era dada às meninas da nobreza, mas foi muito mais ampla, englobando Língua Portuguesa (gramática, redação, composição de poesias), outras línguas (de início, francês, latim, inglês e alemão; mais tarde, também italiano e grego), Literatura Portuguesa e Francesa, Política, Economia, Diplomacia, História do Brasil, de Portugal, da França e de outras nações europeias, História Sagrada, Geografia, Geologia, Botânica, Astronomia, Química, Física, Geometria e Aritmética, Música, Pintura e Desenho, bordados, fotografia etc.

O ensino das duas princesas era rigoroso, obedecendo a um horário em que estavam previstas todas as atividades, com cerca de 9 horas de aulas todos os dias, inclusive aos sábados: somente aos domingos era abrandado esse rigor. Foi preceptora das meninas D. Luísa Margarida de Barros Portugal, Condessa de Barral, com supervisão do Imperador, que corrigia pessoalmente os cadernos das filhas, e da Imperatriz, que, juntamente com a preceptora, zelava especialmente pela formação religiosa e para a vida social das princesas.

Casou aos 18 anos de idade, no dia 15 de outubro de 1864, com o príncipe francês Gastão de Orleans, Conde d´Eu, em cerimônia realizada na Capela Imperial do Rio de Janeiro. O noivo era neto do Rei Luís Filipe I, dos franceses. O casal teve três filhos, D. Pedro de Alcântara (1875-1945), D. Luís (1878-1920) e D. Antônio (1881-1918). Do filho mais velho, que recebeu o título de Príncipe do Grão-Pará, descende o ramo primogênito da Família Imperial brasileira. Do segundo filho, D. Luiz, descende o ramo dinástico da mesma Família. O terceiro filho, D. Antônio, faleceu ainda solteiro, não deixando descendência.

Coube ao Conde d´Eu comandar as tropas aliadas na fase final da Guerra do Paraguai. Somente depois de concluída esta, pôde o Imperador D. Pedro II, pela primeira vez na vida, viajar ao Exterior, ficando sua filha Isabel como regente do Império. Foi a primeira das três regências que a Princesa Isabel exerceu. Tinha, então, apenas 25 anos de idade e não era fácil sua missão. Como comentou Plinio Corrêa de Oliveira, “em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar confiança aos homens e evitar a antipatia das mulheres!” De fato, precisou vencer preconceitos entranhados dos que imaginavam que ela, sendo mulher e religiosa, apenas atuaria na política obedecendo às ordens de seu marido e às diretrizes eclesiásticas. Na verdade, a Princesa revelou, já nessa primeira regência, sua forte personalidade e demonstrou que estava perfeitamente à altura de ocupar um trono.

Sua inteligência, sua agudeza de espírito, sua ampla cultura que abrangia assuntos dos mais variados – e sobretudo o charme com que exprimia suas opiniões e modos de pensar – impressionavam. Muitos anos depois, visitando a Princesa no exílio, foram esses traços psicológicos que o então jovem jornalista Assis Chateaubriand registrou. A inteligência da Princesa foi também, como se depreende da correspondência do Conde d´Eu, o aspecto que mais atraiu, em Isabel, o interesse, depois a simpatia e, por fim, o amor de seu futuro marido.

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Armando Alexandre dos Santos, licenciado em História e em Filosofia, doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Portuguesa da História e dos Institutos Históricos e Geográficos do Brasil, de São Paulo e de Piracicaba.

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