Impactos na saúde: medos docentes

Lilian Lacerda

 

Ao discorrer acerca do trabalho docente é necessário relacioná-lo com sua trajetória histórica e sua condição objetiva, na qual insere-se na lógica de produção capitalista e, está subordinada a divisão do trabalho.  O trabalho docente revela sua complexidade, dada a abrangência de aspectos relacionados nessa atividade: conhecimentos e saberes, identidade, experiências profissionais, dispositivos da organização do trabalho, dentre outros.  Assim, o trabalho docente se constitui por suas várias interações.

As reformas educacionais decorrentes da década de 1990, originaram políticas públicas neoliberais que trouxeram implicações para o trabalho docente. Tais politicas implantadas no campo da educação trouxeram em seu bojo a busca pelo aumento do atendimento da população brasileira e pela qualidade do ensino recomendadas por organismos internacionais.

O trabalho docente tem uma atividade específica que abarca um vasto repertório de conhecimentos, saberes e fazeres relacionados a prática. Nesta direção, o movimento da profissionalização docente busca estabelecer um repertório de conhecimentos e definir competências especificas para a formação e para a prática docente.

Em contrapartida, a proletarização se expressa na perda da autonomia trabalho docente decorrente de novas formas de gestão a qual são submetidos.  Nas últimas décadas, a gestão escolar tem se relacionado a aspectos referentes a qualidade, competência e eficiência.

Como se não bastasse, os altos índices de morbimortalidade relacionados à covid-19 apontam para uma grave crise sanitária no Brasil. Com elevado número de mortes, o medo de infecção e de contagio, o afastamento das atividades sociais, o isolamento dos seus entes e amigos, incertezas econômica e financeira, angústia frente as mudanças no cotidiano dentre tantas restrições associadas à sobrecarga de trabalho, muito em função da instituição das novas demandas de trabalho dos docentes, cujas atividades passaram a se realizar no ambiente doméstico.

Ao se interromper as aulas presenciais, novas formas de organização do trabalho pedagógico ganham tônus apresentado impactos significativos com repercussões negativas acerva da saúde mental afetando profundamente a vidas dos profissionais.

Em março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) apresentou a Portaria nº 343, cujo texto aponta para a comutação das aulas presenciais por aulas on-line com recursos tecnológicos e meios digitais, durante a de pandemia do COVID-19. Posterior, o Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou o Parecer 05/2020 com a reorganização do Calendário Escolar trazendo a “possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual”.

Neste contexto, a Intensificação e a precarização do trabalho docente, que já se apresentava como uma realidade anterior à crise sanitária instaurada pelo COVID-19, a intensificação do trabalho e o adoecimento docente são consequências do acirramento de políticas conservadoras e neoliberais e do descaso com a educação pública.

Vale ressaltar que, o advento da tecnologia não é novo, mas a educação pública sofre com os baixíssimos investimentos em equipamentos e capacitação, o que coloca docentes e alunos no mapa da exclusão digital.

Apesar da inexistência de documentos que respaldam o uso de mediação tecnológica para o ensino na educação básica e, especialmente, para a educação infantil, a maioria dos docentes não possuem e não receberam formação para o manuseio das tecnologias digitais.

Ainda assim, diante do cenário pandêmico, novas tarefas foram incluídas na rotina dos docentes que passaram a lidar com as tecnologias em tempo recorde, pois as aulas são síncronas e assíncronas. Isso associado a atividades desenvolvidas e transmitidasde suas casas.

Não foram poucos os acontecimentos e as mudanças que sucederam esse período de crise sanitária: novos modos de labor, distanciamento social, eminencia de contaminação e de morte, desvelando uma vulnerabilidade psicoemocionalainda maior nos docentes.

Dante das alterações na rotina e no modo de laborar, que por si só são situações de grande estresse por ocasionar sobrecarga física e mental, o resultado é um sofrimento prolongado, sobretudo quando da obrigatoriedade do home office.

Merece destaque, que o sofrimento psicoemocional demonstra maiores índices entre mulheres do que nos homens, sendo justificada uma maior vulnerabilidade em  mulheres ao adoecimento psicoemocional por uma multicausalidade de fatores, com destaque para os endócrinos, as comorbidades, as desigualdades de gênero, além da sobrecarga de trabalho doméstico.

Ademais, com a liberação do retorno parcial, das aulas em fevereiro e, posteriormente o retorno percentual em agosto de 2021, ambos ocorreram de forma imprudente e desrespeitosa para com a comunidade escolar, já que os profissionais não estavam imunizados, não houve testagem, os protocolos sanitários eramdivergentes, não houve capacitação ou treinamento de medidas básicas para um retorno seguro, nem mesmo adequação dos espaços.

Para além da insegurança sanitária, os docentes ainda tiveram que lidar com opiniões e criticas negativas tecidas pelas famílias, pela mídia e pela sociedade civil acerca do posicionamento contrário ao retorno presencial das aulas, haja visto que nada lhes assegurava um retorno seguro.

Todavia, contrários às recomendações da Organização Mundial da Saúde, as secretarias de educação estadual e municipal, pouco fizeram no sentido de proteger a saúde dos profissionais da educação e mitigar a disseminação da doença, bem como efeitos.

Vale ressaltar que, a maioria das instituições competentes – Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT), Sindicato dos Municipais, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), exceto o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de são Paulo (APEOESP) –não demonstrou devido apoio psicológico aos profissionais da educação, mesmo com a significativa quantidade de pesquisas e matérias apontando para o adoecimento dos docentes.

Com o anuncio do retorno das aulas, as secretarias deveriam apresenta um plano de ação para atendimento psicológico aos profissionais da educação no sentido de acolher, de ouvir e de prepará-los para acolher os alunos.

Mas contrariamente, os docentes têm sido massacrados. Em tempos de fakenews e de informações aligeiradas, disseminou-se um juízo equivocado de que o professor prefere ficar em sua casa para não trabalhar. No entanto, o professor nunca trabalhou tanto. A maioria utiliza os seus equipamentos pessoais, expondo sua privacidade e, em muitos casos fizeram busca ativa e levaram atividades à casa dos alunos com recursos próprios.

Além de lidar com o luto, com a insegurança, com as perdas financeiras, os docentes ainda têm que administrar a falta de empatia e o julgamento da sociedade civil.

Mais uma vez os docentes estão a própria sorte e cobrados por algo que não receberam e provavelmente não irão receber: apoio psicológico! Um projeto de atendimento gratuito com foco na saúde mental ofertado aos profissionais da educação traria um mínimo de dignidade a uma profissão que forma todo mundo. Aqueles que cuidam também precisam ser cuidados!

_____

Lilian Lacerda, doutora pela PUC-SP, professora, psicanalista e pesquisadora

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima