O Vale do Silício é uma nova religião?

Rodolfo Capler

 

Por “n” motivos, as redes sociais podem minar a sua espiritualidade. Esta não é uma inferência, dedução ou suposição, ao contrário, é uma triste constatação. As mídias digitais (Facebook, Instagram, Twitter…) são em sua estrutura, dispositivos de modificação de comportamento. Por exemplo, quando você recebe um like ou quando alguém comenta em sua foto numa postagem do Instagram, uma pequena dose de dopamina é liberada em seu cérebro, o que lhe dá uma ótima sensação de bem-estar. Isso é chamado por especialistas da área de comunicação, de “circuito de feedback de validação social”. Tal circuito de validação social explora uma vulnerabilidade da psicologia humana – o que muda a nossa relação com a sociedade e uns com os outros.

Por exemplo, você já ficou chateado com um amigo, por ele não ter curtiu aquele seu post? O circuito de feedback de validação social entrou em cena. A coisa é tão séria, que o primeiro presidente do Facebook, Sean Park, se pronunciou em palestra recente, dizendo que as redes sociais são nocivas para as crianças, podendo alterar o nível de produtividade humana.

Essa é uma das razões pelas quais as redes sociais podem ser nocivas para a sua espiritualidade. Outra razão,que creio ser a mais séria de todas é que as mídias digitais agem como se fossem produtoras de propósito. Segundo o JaronLanie, um dos fundadores da chamada Realidade Virtual, “as empresas de tecnologia do Vale do Silício partem do pressuposto de que otimizar é o propósito da vida”. Para as mesmas empresas, tudo é informação. A título de exemplo, o Google declara abertamente em sua declaração de missão que seu intuito é “organizar toda informação do mundo”.

Portanto, dentro da cultura tecnológica, a declaração de missão do Google é interpretada como “organizar toda a realidade”. O que por si, já é um postulado religioso. Seguindo a lógica, o propósito de nossas vidas agora é otimizar. Isso, com certeza, aponta para uma nova religião. Declaração semelhante e assustadora vem do Facebook. Uma recente revisão em sua declaração de propósito inclui assegurar que “cada pessoa tenha um senso de propósito e comunidade”. Presume-se então, que se uma empresa assegura um propósito para vida de alguém é porque as pessoas não o possuíam anteriormente. Assustador, não? Os exemplos são infindáveis…

Por isso, a meu ver, as empresas de tecnologia do Vale do Silício se levantam como uma nova religião. Uma religião que pratica um imperialismo metafísico que altera a natureza humana em sua estrutura mais básica. Em servidão às mídias digitais, nos deixamos moldar por uma nova ética que não mais atua para a manutenção do bem-estar do indivíduo e do bem comum.

Por essa razão, precisamos reavaliar o modo com o qual nos relacionamos com as redes sociais. Caso o contrário, nos tornaremos cada vez menos espiritualizados e progressivamente manipulados por uma nova religião tecnológica.

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Rodolfo Capler, teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP; e-mail: [email protected]/Instagram

 

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