Livros, elefantes brancos e barbárie

Josiane Maria de Souza

 

Na história do século 20 há muitas fotos simbólicas, emblemáticas da violência, da destruição, da barbárie. Gostaria de falar sobre duas dessas fotos: a primeira foi tirada no dia 10 de maio de 1933, quando os nazistas fizeram uma grande fogueira com livros que eles julgavam inadequados, perigosos. A queima de livros se estendeu até o dia 21 de junho. A segunda foto foi feita em Londres, 1940, depois de um bombardeio que destruiu uma biblioteca.Nessa foto, ao lado da destruição do teto, das paredes, algumas prateleiras ficaram intactas e três homens buscam livros. Alberto Manguel, escritor argentino, nos explica que esses homens estão buscando nas ruínas, ”no reconhecimento surpreendente que a leitura às vezes concede, uma compreensão”.

A história das bibliotecas é pontuada por destruição, mas também pela resistência, pela reconstrução. O apreço pelos livros não é gesto inato, mas depende da construção de um processo cultural que a sociedade deve promover, que o poder público tem o dever de resguardar. Fiquei indignada quando ouvi outro dia, na rádio Educativa FM de Piracicaba(isto mesmo, na rádio Educativa!)a entrevista do sub-secretário municipal da saúde de nossa cidade que, buscando argumentos para embasar o despejo da Biblioteca Pública Municipal “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto” – despejo do prédio que foi feito com a finalidade de ser biblioteca –, o referido senhor disse, sem ficar envergonhado: “a biblioteca é um elefante branco, ninguém a frequenta, ninguém vai consultar a Barsa”. Parece que o sub-secretário não é frequentador de bibliotecas e a única visão que ele tem de livros é dos volumes da “Barsa” em uma prateleira. Demonstra não entender o que significa um acervo e uma biblioteca pública – que só lhe aparece como um elefante branco, um estorvo que precisa ser desmontado, destruído.

Em 29 de outubro de 2010, a Biblioteca Pública Municipal de Piracicaba ganhou definitivamente – espero que sim – o atual prédio onde está instalada. Foi uma conquista depois de 71 anos de existência! Nesse dia, fiz questão de levar os alunos do curso de Letras Língua Portuguesa da Unimep para prestigiarem o importante evento. Foi uma grande festa cultural na qual o povo pode conhecer o espaço apropriado para guardar os livros – e, nesse dia, foram honrados grandes guardiões de livros de Piracicaba, como João Chiarini e Hugo Pedro Carradore.

Neil Gaiman disse que “as bibliotecas são a linha tênue entre a civilização e a barbárie”. O poder público que não preserva bibliotecas a educação e a cultura toma como método administrativo a barbárie. Será que vamos celebrar a barbárie na cultura piracicabana enchendo uma caçamba de lixo com o acervo da biblioteca?

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Josiane Maria de Souza, doutora em Teoria Literária pela Unicamp; foi coordenadora do curso de Letras da Unimep

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