A volta da velha senhora

Almir Pazzianotto Pinto

 

A velha senhora está de volta. Falo da inflação. Para o dicionário Michaelis, é a “emissão excessiva de papel-moeda, provocando a redução do valor real de uma moeda em relação a determinado padrão monetário estável ou ao ouro”. Significa, também, “aumento dos níveis de preços” e “carestia resultante desses desequilíbrios”.

A Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima) há alguns anos publicou excelente obra denominada Séries Históricas. Editou, entre outros, volume dedicado ao tema Inflação. Inicia-se no Império (1822-1889) e prossegue, governo após governo, da proclamação da República, pelo marechal Deodoro da Fonseca, até os presidentes José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992).

O livro traz resumo histórico da Correção Monetária, fruto da reforma financeira do presidente Castelo Branco, (1964-1967). A Lei nº 4.357, de 16/7/1964, autorizou o governo a emitir títulos de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), cujos valores seriam atualizados periodicamente “em função das variações do poder aquisitivo da moeda nacional”.

Preocupado com o fenômeno inflacionário, o governo Castelo Branco implantou dura política de controle dos salários. Nesse sentido fez aprovar a Lei nº 4.725, de 13/7/1965, determinando “normas para o processo de dissídios coletivos”. Prescrevia o Art. 2º que “A sentença tomará por base o índice resultante da reconstituição do salário real médio da categoria nos últimos 24 (vinte e quatro) meses anteriores ao término do último acordo ou sentença normativa, adaptando as taxas encontradas às situações configuradas pela ocorrência conjunta ou separadamente dos seguintes fatores:”. Seguia-se extensa relação de elementos a serem considerados na determinação do porcentual de reajuste salarial, a partir da “repercussão dos reajustamentos salariais na comunidade e na economia nacional”. A lei era detalhista, irracional e incompreensível.

Logo depois foi baixado o Decreto-Lei nº 15, de 29/7/1966, com o objetivo de uniformizar reajustes salariais. Lançava-se a política do “arrocho salarial” destinada a controlar o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, encerrada pelo Plano Cruzado I (Decreto-Lei nº 2.283, de 27/2/1986, republicado como Decreto-Lei nº 2.284, de 10/3/1986).

O Plano Cruzado I mudou o padrão monetário, congelou preços, assegurou a liberdade de negociação coletiva, instituiu o seguro-desemprego, determinou o reajuste automático dos salários todas as vezes que a inflação acumulada atingisse 20% (gatilho salarial), elevou o salário-mínimo, concedeu o abono de 8% calculado sobre o valor total da remuneração. O paraíso prometido durou até as eleições de 15 de novembro, o suficiente para o PMDB eleger 23 dos 24 candidatos a governador do Estado.

O advento do Cruzado II, baixado no dia 21 desnudou a verdadeira natureza da economia. Em poucos dias a inflação se acelerou, arrastou consigo incontrolável alta geral dos preços e determinou o início do fim do governo Sarney.

Após a redemocratização, vários planos econômicos e mudanças de padrão monetário falharam. A inflação em determinados momentos retrocedia, graças, em parte, ao congelamento de preços, até que a implantação do Plano Real estabilizou o valor da nova moeda, o Real.

A possibilidade do retorno da inflação nos obriga a voltar a estudá-la. Segundo Helmut Frisch, o problema começa na tentativa de defini-la. “Aunque no faltam definiciones sobre la inflación, no existe, em realidade, una definición de aceptación general”, escreve o conhecido economista austríaco. Por esse motivo propôs definição objetiva e pragmática: “La inflación es um processo de elevación contínua de los precios, o de diminuicion continua del valor del dinero” (Teorías de la inflación, Alianza Editorial, Madri, 1988, pág. 15).     Assistimos nestes meses de governo Jair Bolsonaro o processo ininterrupto de aumento de preços, trazendo como resultado acelerada desvalorização da moeda. Mais uma vez, portanto, nos defrontamos com a inflação.

Sobre o tema temos a obra Inflação e Desenvolvimento (Editora Vozes Ltda, Petrópolis, s/d). Reúne artigos de Celso Furtado, Ignácio Rangel, Octávio Gouveia de Bulhões, Luíz Carlos Lessa, Osvaldo Sunkel, Aníbal Pinto, Thweatt e Kanitz, Werner Baer. A Apresentação, redigida por Francisco Sá Jr., se inicia com o instigante parágrafo: “O combate à inflação foi a grande ‘caça às bruxas’ da política econômica dos países latino-americanos. Nestes anos do após-guerra, quando os fenômenos econômicos ainda são conceituados e analisados arbitrariamente, em razão das próprias deficiências metodológicas da teoria econômica acadêmica, a inflação tem constituído o grande bode expiatório dos fracassos dos governos latino-americanos”.

Na hipótese não improvável de a inflação voltar com força total e velocidade crescente, como nas décadas de 1970, 1980, os economistas brasileiros deverão retomar o debate. Afinal, como querem os adeptos das escolas conservadoras, a inflação é um mal? Se for um mal, será um mal necessário aos países subdesenvolvidos? Resolva o leitor.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST); autor dos livros A Falsa República e 30 Anos de Crise 1988-2018

 

 

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