Como surgiu o “mistério” da Santíssima Trindade?

Álvaro Vargas

A doutrina da Igreja Católica Romana estabeleceu, através do concílio eclesiástico de Niceia, em 325 d.C., a afirmação de que um único Deus se revela em três pessoas divinas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esse conceito é contestado pelas igrejas reformadas e outras religiões monoteístas, como o Islamismo e o Judaísmo. A origem dessa concepção teológica surgiu nos primeiros séculos do Cristianismo, culminando com um embate entre dois partidos religiosos que não concordavam na forma de interpretar o caráter divino de Jesus. Ário (256 – 336 d.C.), presbítero da paróquia de Alexandria, advogava que somente o Pai era Deus eterno e que o Espírito Santo não era uma personalidade distinta e separada do Pai e do Filho, apenas uma essência de ambos. Nesse concílio, contando com o apoio do imperador Constantino, Ário foi vencido pelo seu oponente, Atanásio, no argumento de que Jesus e Deus eram a mesma pessoa, tendo sido os seus opositores declarados heréticos.

Esse conceito da trindade de Deus já existia em várias religiões. No Egito era composto por Hórus, Ísis e Osíris; na Grécia por Zeus, Maia e Hermes; na Índia por Brahma, Vishnu e Shiva e em Roma, por Júpiter, Juno e Minerva. Assim, durante a criação da Igreja Católica Romana, essa concepção com certeza influenciou os teólogos, além da interpretação literal de certas passagens bíblicas, como: “Eu e o Pai somos um” (João, 10: 30). Mas Jesus ao dizer essa frase, não estava anulando a sua identidade nem a de Deus. O Mestre apenas mencionou a sua perfeita sintonia com o Criador, e cumpria fielmente a Sua vontade. Mesmo eminentes teólogos do passado, como Cirilo e Agostinho de Hipona, encontraram dificuldades na compreensão da natureza espiritual de Jesus, divinizando-o, fornecendo elementos para a sustentação teológica equivocada que criou esse dogma. Jesus reiterada vezes se referiu a Deus, como um Pai bondoso e as suas limitações perante a divindade: “Passará o céu e a Terra, mas as minhas palavras jamais passarão. Daquele dia e hora, porém, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só o Pai” (Mateus 24:35-37). Se Jesus fosse Deus encarnado, com certeza ele saberia o dia e a hora do seu retorno. O fato de ele ter mencionado que “Deus é amor” (1, João, 4:8), também não pode ser interpretado que o “amor” seja uma personalidade distinta do Pai e membro de uma trindade. O apóstolo Paulo deixou explícito o conceito de Deus, quando mencionou: “Para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo, e para quem vivemos” (I Coríntios, 8:6).

Na visão espírita, o principal equívoco que resultou na criação do conceito da Trindade divina foi não considerar a pré-existência da alma, e acreditar que necessitamos ser “salvos”. No intuito de explicar a origem das imperfeições humanas, criou-se a falsa premissa da “contaminação” pelo pecado original. Somos obras incompletas de Deus, rumo a perfeição. As iniquidades praticadas pela humanidade são consequências da inferioridade moral e do livre-arbítrio. Deus é imparcial com a sua criação e todos recebem as mesmas oportunidades evolutivas. A disparidade entre indivíduos, no aspecto socioeconômico, moral, intelectual, saúde mental e físico, está relacionado com o nível evolutivo alcançado individualmente por cada um de nós e o programa reencarnatório que assumimos. Fomos criados simples e ignorantes, e assim como o diamante bruto que necessita ser lapidado para brilhar, reencarnamos inúmeras vezes, de modo a evoluirmos intelecto-moralmente. Nas experiências terrenas, podemos conquistar novas virtudes ou estacionar, mas nunca regredimos. Estamos submetidos à lei de ação e reação, em que colhemos sempre os resultados de nossas ações. Jesus é o nosso irmão maior, espírito puro enviado por Deus como modelo a ser seguido, e os “prodígios” que realizou, foram consequências dos atributos que adquiriu, conforme nos esclareceu: “Vós podeis fazer o que realizo e muito mais” (João, 14:12).

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Álvaro Vargas, engenheiro agrônomo-Ph.D., presidente da USE-Piracicaba, palestrante e radialista espírita