Lilian Lacerda
Assegurada na Constituição Federal de 1988, a gestão democrática é corroborada nos documentos oficiais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, Lei nº 9.394/96) e no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024, Lei nº 13.005/2014).
A gestão democrática do ensino público é definida no inciso VII do Art. 3° da LDB como um princípio da manutenção do ensino, “seguindo a Lei e a legislação dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996, p. 1). Já o PNE (2014-2024) por seu turno traz como diretriz a “promoção do princípio da gestão democrática da educação pública” com o intuito de privilegiá-la enquanto estratégia que a ser implementada e aprimorada com vistas a melhoria do índice de qualidade da educação.
Além da legislação mencionada, tem-se o Projeto Político Pedagógico (PPP) das unidades escolares que trazem a gestão democrática como processo que rege o funcionamento da instituição, que compreende a tomada de decisões, o planejamento, a execução, o acompanhamento e avaliação dos temas administrativos e pedagógicos, a fim de fortalecer o vínculo entre escola-família-comunidade.
Todavia, a gestão democrática nas escolas da rede municipal de Piracicaba não se efetiva. Com a ausência do plano de cargos e carreira do magistério, professoras passaram a assumir cargos de gestão na SME permanecendo por tempo demasiado no poder. Algumas destas pessoas se sentem donas dos espaços pelos quais estão responsáveis, bem como dos funcionários que estão sob o seu comando. É justamente aí que incidem os problemas: sem limite ou responsabilidade, estas pessoas acabam por excederem-se na autoridade e no poder: usam tons ameaçadores, oprimem, humilham, exercem coação, ameaças, perseguem seus subalternos.
O sistema de seleção que vigora para os cargos de alta gestão na SME, os chamados “cargos gratificados” é uma afronta a tão aclamada gestão democrática. A maioria das pessoas que assumem esses cargos cometem arbitrariedades truculentas e atitudes ilegais.
O clima é de violação aos direitos dos educadores que, além de serem servidores públicos, antes de mais nada são seres humanos. Essa hedionda forma de tratar os funcionários, fere o princípio da dignidade humana prevista na Constituição Federal; afeta dolorosamente a dignidade, a saúde mental, emocional e física dos trabalhadores. Tal comportamento condenável vem sendo vigorado há muitos anos por uma parte expressiva da(o)s gestoras (es) da SME de Piracicaba.
Além dos profissionais da educação terem que lidar com a falta de protocolos e fiscalização sanitária no contexto da pandemia do COVID-19, ainda tem que lidar com o assédio moral. Cabe salientar que os profissionais retornaram ao trabalho e até o presente momento não contam com nenhum apoio emocional: psicólogo, terapia dentre outros. Cada um que lute!
Ademais, tem falta de reconhecimento profissional e a desvalorização da profissão que também pode ser atribuída como uma origem do assédio moral, haja vista que o profissional desmotivado pode facilmente entrar num estado depressivo e não apresentar motivação para dedicar-se emocionalmente ao labor.
É preciso superar o sistema escravagista de trabalho e romper com a lei da mordaça. Evidentemente que não se pode generalizar, pois, há exceções cujos profissionais, mesmo em condição de gratificação – por meio de processo seletivo interno – exercem suas as respectivas funções com competência, profissionalismo, ética, respeito aos seus subordinados.
No início do mês, o Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Piracicaba e Região realizou uma palestra, no auditório da SME, cujo “Assédio Moral e Relações no Trabalho”. No entanto, foram convidadas para a palestra apenas as supervisoras e diretoras de escolas, que segundo dados do site do sindicato “os demais profissionais da Educação e outras secretarias poderão acompanhar a palestra ao vivo, em transmissão pelo Facebook do Sindicato dos Municipais (www.facebook.com/sindmunicipais)”. Ainda de acordo com o site, no ano de 2019 foi lançada a cartilha “Assédio Moral: Não deixe que te Calem”.
Vale ressaltar que apesar de ser de conhecimento público denúncias de assédio moral por parte de supervisores e diretores de diversas escolas, não há um órgão municipal que se encarregue de escutar e de proteger os servidores de cargos menos privilegiados, restando o Ministério Público do Trabalho.
Ao considerar o processo de construção da sociedade, o labor humano sofre até a contemporaneidade com a sua desvalorização e com o desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana acarretando o assédio moral. Este tem por sua vez, compreende situações de humilhações, maus tratos e perseguições constantes que acarretam danos físicos e psicológicos aos trabalhadores.
Por sua vez, o ordenamento jurídico brasileiro por meio do Código Civil em seu Art. 933 aponta que o empregador responderá civil e objetivamente pelas condutas de seus empregados em virtude de seu trabalho, portanto o empregador é responsável pelos atos de assédio moral praticados por seus empregados.
O assédio moral atua como uma importante peça de engrenagem em ambientes retrógrados em que questionar as ações da alta gestão, rodeadas de equívocos e de atropelos é quase impossível e criminalizado. É imprescindível e, se faz urgente que o professorado se reconheça como categoria e se fortaleça para combater tais desmandos.
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Lilian Lacerda, professora, doutora