Misha Glenny e o dono do morro

Rodolfo Capler

 

Em novembro de 2011 o Brasil parou. Um fato ganhou notoriedade. Jornais, revistas e noticiários de TV cobriram (tal qual uma cena de Reality Show), o misterioso aprisionamento daquele que era o maior traficante de drogas do Rio de Janeiro, o “Nem” da Rocinha. A mídia caiu de pau em cima do traficante, demonizando-o como se ele fosse o causador direto de toda violência e de toda mazela que grassam no Rio de Janeiro.

Os debates pipocaram. “Nem”, o traficante da Rocinha, era apenas mais um sociopata ou um subproduto de um Estado falido? Dependendo do viés político postulado, um perfil de “Nem” era traçado. Para os mais conservadores, “Nem”, não passava de um criminoso maldoso que vilipendiou sociedade. Para os mais progressistas, o traficante era vítima de uma sociedade aristocrática que segrega os mais pobres. O tempo passou, o assunto esfriou e a história de “Nem” ficou restringida à gaveta empoeirada das histórias dos narcotraficantes cariocas.

Com o intuito de resgatar a discussão que se levantou em torno da prisão de “Nem”, o jornalista e historiador britânico Misha Glenny, autor de “McMáfia” e de “Mercado Sombrio”, se esmerou em pesquisar o histórico do traficante e o entrevistou pessoalmente na prisão. Após um período intensivo de imersão na favela e de entrevistas com moradores da favela da Rocinha, amigos, parentes e inimigos de “Nem”, Misha Glenny produziu o livro “O dono do morro” (2016). O livro relata a queda e a ascensão do traficante “Nem”, deixando claro por meio de toda a sua narrativa, que ele foi uma grande vítima de um Estado falido e arcaico. Li “O dono do morro” em 24 horas, dado a sua linguagem energética e enredo envolvente.

A meu ver, a obra de Misha Glenny é singular, mesmo figurando ao lado de tantas outras boas obras do gênero, tais como “Abusado” de Caco Barcelos e “Cidade partida” de Zuenir Ventura.

O livro mudou a minha forma de enxergar a dinâmica do narcotráfico no Rio de Janeiro e também me ajudou a entender que o descaso do Estado em relação aos mais humildes, produz aquilo que o rapper Mano Brown chama de “a própria navalha” na carne da sociedade. Indico a leitura de “O dono do morro”. Vale muito a pena.

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Rodolfo Capler, teólogo, escritor e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP; e-mail: [email protected] / Instagram: @rodolfocapler

 

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